ELAS
(excerto)
Elas fizeram greves de braços caídos
Elas brigaram em casa
para ir ao Sindicato e à Junta
Elas gritaram à vizinha que era fascista
Elas souberam dizer
salário igual e creches e cantinas
Elas vieram para a rua de encarnado
Elas foram pedir para ali
uma estrada e canos de água
Elas gritaram muito
Elas encheram as ruas de cravos
Elas disseram à mãe e à sogra que
isso era dantes
Elas trouxeram alento e sopa
aos quartéis e à rua
Elas foram para as portas de armas
com os filhos ao colo
Elas ouviram falar de uma grande mudança
que ia entrar pelas casas
Elas choraram no cais
agarradas aos filhos que vinham da guerra
Elas choraram
de ver o pai a guerrear com o filho
Elas tiveram medo e foram e não foram
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas
e nas alfaias das herdades abandonadas
Elas dobraram em quatro um papel
que levava dentro uma cruzinha laboriosa
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa
a ver como podia ser sem os patrões
Elas levantaram um braço
nas grandes assembleias
Elas costuraram bandeiras e bordaram
a fio amarelo pequenas foices e martelos
Elas disseram à mãe,
segure-me aqui os cachopos, senhora,
que a gente vai de camioneta a Lisboa
dizer-lhes como é
Elas vieram dos arrabaldes
com o fogão à cabeça
ocupar uma parte de casa fechada
Elas estenderam roupa a cantar
com as armas que temos na mão
Elas diziam tu às pessoas com estudos
e aos outros homens
Elas iam e não sabiam para onde, mas iam
Elas acendem o lume
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado
São elas que acordam pela manhã as bestas,
os homens e as crianças adormecidas.
Maria Velho da Costa
12 comentários:
Tão bonito...
comoveste-me com este poema...
Um beijo grande
Que bom relembrar este poema!
Obrigada!
sempre fantástico! tão intenso, tão "simples"...
beijocasssss
vovó
ELAS são cá de uma força!!
Este poema é fabuloso, já nem me lembrava.
ELAS SÃO FABULOSAS!
Beijos
Sim realmente elas são tudo isso e muito mais que não foi dito e que muitos não teem coragem de dizer e eu só o digo no anonimato, ou por vergonha ou por medo, ou pelas duas coisas. Pois tambem são elas que são vitimas de assédio por parte de alguns camaradas eleitos,são elas que se deixam prender nas teias montadas por esses senhores, são sempre elas que são as amantes desses falsos, e até conseguem por vezes bons cargos.Coisas da vida (modernices).
e pensar no que a minha geração deve às três Marias!... este poema é um louvor à mulher, reconhecendo-a na sua essência, na dignidade que lhe é intrinseca.
mas há ainda muito por fazer, n é cara anónima?! reconheço bem as suas palavras, dentro e fora dos circulos de camaradas, mas estes últimos têm a responsabilidade de ser diferentes, não é? um abraço solidário. E A LUTA CONTINUA!!!
SMV
Quando uma soma de coisas tão simples e vulgares se transformam naquilo que pode ajudar a mudar o mundo.
Abraço
Elas têm que continuar a lutar...
Há quanto tempo não lia 'isto':))
Maria: um beijo grande.
anamar:é bom recordar o que é bom...
Um beijo amigo.
vovó: as coisas complexas ditas de forma simples...
Um beijo.
Justine: quando arrancam, ninguém as pára...
Um beijo.
Ana Camarra: são humanas, por isso fabulosas...
Um beijo.
Anónimo: «esses» e «essas» são reflexos desta sociedade...
SMV: há muito, muito por fazer...
Um beijo amigo.
samuel: por isso o mundo vai mudando...
Um abraço.
Lúcia: lutar, lutar sempre: elas e eles.
Obrigado pela visita e pelo comentário.
É comovente e tão forte este poema...
Quando é que as palavras podem ter tamanha força? só na poesia...
bjs
Sal: sim, na poesia mais do que em qualquer outro «lugar»...
Um beijo.
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