navego como sempre naveguei. rasgando imagens, sorvendo um por um o torrão da terra que amo, devorando a história do povo do qual conheço a língua. cada alentejano esperando o crepúsculo antes do retorno maternal ao lar, anunciando o crepitar da noite, é um estalo na planície rachando à fome dos homens. lá dentro, cada objecto é deus, olhando a condição em que se organizam os homens perante a amargura. navego como sempre naveguei, comendo a espuma das searas no inverno acabado de semear, na brassadura que estala nos ossos de quem trabalha. as capelas do meu país são galinhas, e o casario os pintos protegidos pelo sino erguido pelo medo das gentes a que pertenço. e eu navego como sempre naveguei. percorro a planicie como quem, morrendo em sede, descobre as fontes de um peito e pressente que quer ficar. alentejo, alentejo... águas agitadas da planície ressequida, minha sofreguidão de um país que ergo aos meus sentidos. navego clareando o crepúsculo, acendendo candeeiros na minha memória conturbada pelo teu corpo de montado e olivais. navego espantando os pardais, fugindo com eles em bandos dos beirais que escolhi para o susto do entardecer. sózinho. como pode este país desertificar? navego-te como sempre naveguei. rompendo as entranhas dos teus barrancos e montes com o cante das tuas gentes. bebo-te em cada fonte, mesmo quando bebo noutro país, sonho-te em cada noite mesmo quando, peregrino, durmo fora. ai alentejo alentejo... e se me beijasses?
Foto: Aldeia de Pêroguarda, Ferreira do Alentejo, Dezembro de 2008.
Foto: Aldeia de Pêroguarda, Ferreira do Alentejo, Dezembro de 2008.
11 comentários:
António, lá em baixo alguém te pediu para não parares de clicar, agora sou que te peço e acrescento - por favor, não pares também de escrever.
Porque é que eu não sei escrever assim?
Muitos miminhos
Belo texto camarada, mas diz-me, porquê escreves com letra minúscula a seguir aos pontos finais?
Apercebi-me disso tambem ao ler "A Viagem do Elefante", que por vezes tambem aparecem letras maiúsculas a seguir ás virgulas.
Não sei se já tiveste oportunidade de ler, isto é apenas curiosidade minha.
Gostei da tua prosa, não pares!
Abraço
Belo texto!
Belo! Devias escrever mais, assim...
Ò António, que bonito!
Obrigado.
Um beijo
Bela declaração de Amor!
Ih que palavras tão bonitas! Até fico com inveja do Alentejo...
Muito boa noite.
O Alentejo merece este texto
Parabens
António,
Uma terra musa, bela ode!
A revolução é hoje!
Bonito, meu amigo.
Abração.
Parabéns,
um bonito texto, muito sentido.
GR
Enviar um comentário