MORTE NO INTERROGATÓRIO
Às três da madrugada eu dormia sem sonhos.
Minha mulher dormia a meu lado. Eu tinha
uma da mãos pousada sobre a sua coxa.
Uma lua de outono brilhava sobre as ruas;
um ar agreste preparava as noites para o inverno.
Às três da madrugada os companheiros
dormiam quase todos. Um deles, porém,
regressava, fatigado, de um trabalho nocturno.
Era a hora dos fogos-fátuos sobre as campas;
a hora em que os exilados buscam o sono em comprimidos.
Às três da madrugada sua mulher ainda velava.
Embrulhada num xaile tinha um livro entre as mãos;
insone, acendera a luz havia meia hora.
Na sala o interrogatório atravessava o tempo;
lâmpadas de mil vátios tornavam a vida irrespirável.
Às três da madrugada o coração fraquejou
e os dois comissários ficaram perante um homem morto
e dois cinzeiros com trinta pontas de cigarros.
Egito Gonçalves
4 comentários:
Terrível. Mas belo.
É preciso não esquecer que isto não é apenas poesia. Fez parte de uma realidade que não queremos de volta!
Um beijo grande.
Mas não conseguiram arrancá-lo do seu lugar.
Abraço.
Tocante. Angustiante mesmo! E como lembra a Maria, é o retrato em tom de poesia de uma realidade que não pode voltar!
beijo,
"E não falou!"
Um beijo.
Enviar um comentário