CONTO

Este CONTO conta-nos um interrogatório numa prisão dos EUA - ocorrido num tempo em que, por cá, ocorriam interrogatórios semelhantes.
A confirmar que ELES, os nossos inimigos de classe, são iguais em todo o mundo - e NÓS também.


CÁRCERE

Na cela há cinco polícias fortes e um preso. Os polícias dispõem de meios que tudo alcançam e sabem que o obrigarão a confessar.
Como feras esfaimadas, atiram-se ao preso, às cegas, numa fúria. No fundo, sentem-se mal, porque a cela é demasiado pequena para tanta gente. Além disso, os fatos pesados são um estorvo e os colarinhos duros incomodam terrivelmente.
Os polícias transpiram, rosnam e praguejam. As matracas erguem-se e baixam-se sobre o homem sem liberdade.
Na cela há cinco polícias fortes e um preso.

Para principiar, torceram-lhe os braços até estalarem as articulações. Bateram-lhe na cabeça com a matracas. Depois, deram-lhe valentes pontapés, ao acaso. Pisaram-no e amassaram-lhe o nariz.
Na cela há cinco polícias e um preso e os polícias sabem que o obrigarão a falar.

No céu distante entremostra-se a Lua, branca e inocente, para desaparecer de seguida, sabendo que não faz falta.
Passa um automóvel na rua e uma rapariga ri-se para o homem ao seu lado.
No corredor da prisão, enquanto o bico de gás solta no espaço a sua monótona e triste melopeia, o carcereiro brinca com as chaves.
Saudosamente, os presos do mundo inteiro sonham com os lares perdidos, com carícias já esquecidas.
Entretanto, na cela, os cinco polícias sovam e interrogam o preso e gritam-lhe que há-de falar!...
As duras matracas e os rudes sapatos martirizam o preso e induzem-no a falar.
O coração opresso sugere-lhe que fale. Como criança amedrontada, o pobre corpo já sangrento soluça:
- Fala!
Em torturada agonia, o cérebro arde-lhe e clama:
- Fala!
E o sangue latejante segreda-lhe:
«A tua mulher está à espera... É só falares...»
E em todo ele um milhão de vozes grita:
- Fala!... Fala!...
... mas o preso não quer falar.

Ao longe, na cidade, a noite é calma e silenciosa. Nas ruas dormentes, homens e mulheres deslizam em idílios.
Os polícias balouçam os bastões e bocejam sonolentos.
No sossego das suas casas, depois de um dia enervante nos tribunais, os juízes lêem versos às esposas.
No escuro dos cinemas, há pares de namorados que, em contacto furtivo, vibram de desejo.
Em quieta paz, as mães aconchegam ao seio os filhos pequeninos, enquanto o pai, descuidado, fuma num cachimbo velho.
E é tão tranquilo e calado o conjunto dos milhares de casas que o bater do relógio parece voz gigantesca.

Na cela há cinco polícias fortes que espancam um preso.
E sabem que ele falará!

Sem dó, as matracas erguem-se e baixam. Impiedosos, os pés trituram a cara do preso.
Os polícias, como amantes em espasmo, roncam alto. Os colarinhos estão amarrotados, viscosos, nojentos.

O prisioneiro cerra os olhos por instantes e vê miríades de estrelas que refulgem no seu mundo de dor. Cerra os dentes, garante que não falará e morde os lábios.

Com a boca sangrenta, jura que jamais soltará uma só palavra.

Com a boca sangrenta, jura que os cinco polícias fortes nunca o obrigarão a falar.


Michael Gold

5 comentários:

Antonio Lains Galamba disse...

... e como nos conta tanto o silêncio de quem cala!

Bonito texto. Quase tanto como o coração do homem amigo que aqui o publicou.
Abraço tamanho do mundo

Anónimo disse...

Ainda não nos assassinam na prisão. Todavia, já o fazem dentro e a caminho dos hospitais cada vez mais longìnquos.

Anónimo disse...

Os mesmos métodos, os mesmos carrascos! E os DIREITOS HUMANOS?
Que ódio!
josé manangão

GR disse...

Muito comovente!
Doi tanto ler este texto.
O meu profundo e imenso respeito por todos os RESISTENTES!

GR

Fernando Samuel disse...

Para que esses tempos não voltem... vamos todos à Marcha - Liberdade e Democracia, no próximo dia 1 de Março - e os membros do PCP não se esqueçam de levar os seus cartões de militantes... para os mostrarem a quem muito bem entenderem...

Abraços e beijo de muita camaradagem.