TARRAFAL - 19/12/1939

FERNANDO ALCOBIA


Tinha 24 anos e era comunista.
Fora, três anos antes, deportado para o sinistro Campo de Concentração do Tarrafal - na primeira leva de 152 resistentes que, em 29 de Outubro de 1936, inauguraram o Campo da Morte Lenta.

Para trás, haviam ficado os amigos, a mãe (de quem ele era o único amparo) e a namorada - que, sabendo que o amava, pouco sabia dele e da sua vida e que só setenta anos mais tarde viria a saber quem ele era e o que lhe acontecera.

Fernando Alcobia foi um dos 32 resistentes antifascistas assassinados no Tarrafal.
Morreu no dia 19 de Dezembro de 1939, pelas dez horas da manhã.

Os seus companheiros de resistência e camaradas, falam-nos dele no livro «Tarrafal - Testemunhos»:

«Fernando Alcobia passara muitas vezes pela frigideira. Pela primeira vez em Outubro de 1938. E a sua saúde sofreu o primeiro abalo. Foi depois a «brigada brava», de onde certa vez o trouxeram em braços. Numa outra altura meteram-no na frigideira com um abcesso no ouvido. Passou toda uma noite com dores agudas a pedir a vinda do médico. Não veio o Tralheira (nome pelo qual os presos tratavam o médico assassino). Queriam que trabalhasse e não o podia fazer e toda uma manhã ficou sentado numa pedra gemendo com dores. De volta ao campo, levaram-no para a frigideira e ali esteve vinte dias, sempre com um abcesso, sempre sem que Esmeraldo Pais Prata (o médico assassino) o tratasse. Trabalho, frigideira, frigideira, trabalho, foi o que Fernando Alcobia teve de sofrer até 15 de Dezembro, quando adoeceu com uma biliosa. O estado de fraqueza em que se encontrava quebrou-lhe todas as resistências à doença.
Esmeral Pais Prata veio enfim vê-lo. Estava na agonia. Acendeu uma lanterna e os olhos de Fernando Alcobia não reagiram. A morte já não tardaria muito. Fernando Alcobia tinha vinte e quatro anos e ia morrer assassinado.
-Se estiver pior amanhã, mandem-me chamar.
- E que tratamento lhe devo fazer, senhor doutor? - perguntou Virgílio de Sousa (o enfermeiro), que só depois de muito insistir conseguira que o Tralheira fosse ver o doente.
- Tratamento? Sim! Olhe, ponha-lhe umas compressas de água fria na testa.
Fernando Alcobia morreu pelas dez da manhã.
Morria muito jovem, devido à frigideira, ao trabalho da «brigada brava», às mãos daqueles que o fizeram sofrer tudo isto e tudo lhe negaram.»

Aos assassinos de Fernando Alcobia nada aconteceu.

7 comentários:

GR disse...

Conheço alguns relatos dos livros que as Ed. Avante vão publicando. O livro “60 anos de Luta do PCP”, “Tarrafal” e tantos outros cujo autores contam na 1ª pessoa os horrores da PIDE, os dias da Resistência!
Tão jovem este Resistente!
Emocionei-me ao ler este texto. Fernando?!!! como se o conhecesse tão bem, como lhe reconhecesse há muito os seus hábitos, gostos e sensibilidade. Tão integro e corajoso o jovem Fernando, como todos os outros 340 Resistentes! E tantos outros que passaram pelas prisões da PIDE.

Não podemos ignorar o sofrimento de todos os Resistentes que lutaram e sofreram nas prisões fascistas, todos os nomes têm que ser reconhecidos e respeitados, todo o sofrimento tem que ser publicado, muito importante a divulgação.
Porque o fascismo não pode ser branqueado, existiu!
Vergo-me respeitosamente perante um Resistente, seja ele Álvaro, Zé, Sérgio, Carlos, Alda, António, Domingos, Francisco ou Simão!

GR

João Galamba disse...

Olhai- meus senhores- o tempo das giestas...

Maria disse...

Eu hoje já estou "virada do avesso" com tudo o que li por aqui neste mundo virtual....
Nem sabia que o Alcobia tinha morrido, ele também, a 19 de Dezembro....

Anónimo disse...

Camarada José Neves.
Acertaste em cheio,o Fernando Alcobia é o personagem Simão namorado de Tereza, no magestral romance "Otempo das Giestas" do grande escritor Português, que, tambem escreveu "Aquele dia de natal" e o"Caminho das aves"três obras primas da literatura Portuguêsa,que fazem parte da minha biblioteca.
O autor é esse grande camarada e amigo José Casanova.
Um abraço do tamanho do Mundo para todos

josé Manangão

Anónimo disse...

Que pensarão disto os estoriadores que pretendem transformar a PIDE numa organização filantrópica?!...

João Galamba disse...

José Manangão: é verdade, referia-me precisamente ao tempo das giestas do nosso camarada Zé Casanova. Se ele algum dia ler isto saberá que nunca nenhum camarada se esquece das injustiças cometidas no passado. Para que os nossos filhos vivam a aurora: lembrar o passado e alterar o futuro! Um abraço, camarada

Fernando Samuel disse...

gr: é isso: lembrar os nomes dos que resistiram - e, em muitos casos, morreram resistindo. E seguir o seu exemplo de resistência, hoje. E bem necessário é resistirmos, hoje.

josé neves: «lembrar o passado e alterar o futuro» é tarefa nossa, tal como foi tarefa do fernando Alcobia e de muitos outros; tal como será tarefa dos que nos sucederem na luta transformadora que travamos.

maria: para que todos saibam... «é preciso avisar toda a gente»...

manangão: sim, creio bem que a vida do Simão é a vida do Fernando Alcobia, ficcionada. A confirmar que há muitas formas de relembrar os nossos mártires.

antuã: de facto, esses estoriadores são pagos para contar as estórias que contam.

Beijos e abraços de muita amizade para vocês todos.