O séc. XX e a existência de diversos processos de imposição à burguesia de concessões em matéria de protecção social garantidas pelo seu Estado de classe tornaram algo complicado até mesmo explicar a tese marxista de que o Estado, fundamentalmente, é um aparelho de repressão da classe dominada pelo classe dominante. De imediato surgem resistências, objecções, teses sobre a necessidade manter a luta pelas conquistas obtidas nesse âmbito - tudo afirmações que merecem atenção e até concordância, mas que não iludem o essencial: esse Estado está ao serviço da burguesia. Ela vai utilizá-lo para reprimir o proletariado. Ela vai tentar livrar-se assim que possível das conquistas sociais que o proletariado lhe impôs. E portanto, só uma organização proletária capaz de liquidar o aparelho repressivo do Estado burguês - e não apenas de se apropriar dele, por via eleitoral, por via putschista, ou por outra via qualquer - é garantia de triunfo e de construção do socialismo.
O exemplo venezuelano, de onde chegam hoje notícias de uma derrota pesada para as forças progressistas, é mais um caso a atestar esta teoria geral, que o movimento operário internacional aprendeu ao longo de dezenas de anos, em incontáveis exemplos, com sacrifícios terríveis. Não poderemos nunca deixar de referir a importância do processo bolivariano para a reposição na ordem do dia da luta pelo socialismo, completamente arredada dos projectos de sociedade de praticamente todos os regimes políticos do planeta inteiro desde a implosão da URSS. Mas o processo de transformação da sociedade que é a construção do socialismo, processo incontornavelmente revolucionário dado que nenhuma classe opressora aceita pacificamente perder os seus privilégios, não podia ter sido feito assim, e já havia uma longuíssima experiência acumulada pelo movimento operário que o permitia saber. Erros seríssimos foram cometidos, desde o consentimento de que a burguesia mantivesse intacto o seu império mediático, os seus partidos de classe, uma parte crucial dos meios de produção na sua posse, importantes posições nas forças armadas, relações permanentes e sem entraves com o imperialismo estadunidense e com o Estado terrorista da Colômbia. Naturalmente, apoiada numa tão poderosa estrutura de manipulação das massas, com tantas condições para sabotar e agredir o processo de transformação social, e confrontada com um movimento de massas certamente heróico, seguramente abnegado, mas infelizmente sem os instrumentos materiais que lhe permitiriam garantir a sua liberdade - e que são, é fulcral dizê-lo com todas as letras, os instrumentos da organização popular armada para reprimir a contra-revolução de vencer -, a burguesia demorou, mas inexoravelmente recompôs a sua força e logrou uma vitória importante no campo institucional.
Como Lenine escrevia sobre os críticos de Marx que, relutantemente, acabavam a dar razão a algumas das suas teses sobre a dinâmica do capitalismo quando era impossível deixar de o fazer, «os factos são teimosos». O facto de que o Estado da burguesia não pode e não vai ser usado pelos trabalhadores para se emanciparem, como se viu no Chile, no Brasil, no Irão, nas Honduras, na Grécia de Tsipras, e agora na Venezuela, continua, com a sua teimosia, a desafiar todos os idealismos de sinal contrário. Que o povo venezuelano, o primeiro a erguer a bandeira do socialismo depois da pior derrota do movimento operário internacional em toda a sua história, a implosão do campo socialista, saiba extrair deste revés não um desalento que o paralise, mas um ensinamento que lhe permita agir com mais acerto na luta pela sua libertação do imperialismo e da exploração do homem pelo homem.
1 comentário:
O João Vilela está bem mal-informado sobre as transformacões profundas e radicais do Estado burguês durante o curso da Rev. Bolivariana. Não se trata duma derrota eleitoral o que determina o fim da Rev.. Isso deveria estar claro, se tivesse em conta a crescente implantacão do Poder Popular com milhares de Comunas e Concelhos Comunais, entretanto formados e implantados em todo o território. Esquece ainda a muito poderosa alianca civico-militar hoje muito consolidada. Esquece as milicias bolivarianas com os seus batalhões operários, camponeses e indígenas. A poderosa organizacão da UNAMUJER e todo um conjunto de milicias de mulheres armadas. Há ainda uma vasta unidade representada pelo GPP (onde se inclui o PCV, Partido irmão do PCP. Desconheces as nacionalizacões dos 5 maiores Bancos do País hoje ao servico do Povo. O sector de indústrias nacionalizadas e intervencionadas pelo Estado sendo hoje o cerne dum sector económico socializado. Assim mesmo a criacao de inúmeros orgãos de comunicacõ social- TV, Radio, e imprensa não só e nem tanto do Estado mas nas mãos directamente das massas populares organizadas. Posso dar muitissimos exemplos se necessário...Como se sabe todas as Revolucões, incluso a Grande Revolucão de Outubro, conhecem fluxos e refluxos. Assim foi na Rússia, asim foi em Portugal de Abril e assim é na Venezuela. Bem criticava Lenine e o Álvaro Cunhal a pequena-burguesia pelo seu pendor entusiasta dar facilmente lugar ao derrotismo e "aqui d'el rei" quando se sofre uma derrota. Comparemos somente a n/Revolucão dos cravos que durou 1 ano !/2 com a Rev. Bolivariana que já leva 16 anos! (assim uma especie de 25 de Abril em versão turbo). Dizia Chavez- de facto parafraseando Álvaro Cunhal que "la nuestra es una revolucion pacífica pero armada!". Quem defende as teses do camarada Vilela de via aferi-las com o PCP. Que planos insurrecionais temos para Portugal? Ou é só para os outros que isso vale?
Mas há muito mais! Quantas derrotas tiveram as Revolucões armadas (nomeadamente a soviética) sem que isso pareca perturbar no mínimo o camarada Vilela. Quantas Revolucões pacíficas foram derrotadas? Chile! A Revol. Bolivariana continua está armada e busca recompor-se e passar a outra nova fase. É dialectico a permanencia do velho (Parlamento) em concomitancia com o novo (Poder Popular) o primeiro ainda não morre e o segundo já se levanta, a dualidade de Poderes que Lenine bem caracterizou na especificidade da Rev Bolchevique. Mas há ainda mais do ponto de vista teórico que se no caso de ser ainda necessário explicarei mais detalhadamente. Por agora um abraco revolucionario
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