POEMA

PORTUGAL


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...


Alexandre O'Neill

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Remorsos sim, porque quem cala consente!
Lindíssimo poema.

Um beijo.

Justine disse...

Pela tua mão estou a descobrir um pouco mais de O'Neill - mas ainda não me conquistou...

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: este nosso remorso... que parece eterno...
Um beijo.

Justine: talvez lá mais para diante... mas não é obrigatório...
Um beijo.

samuel disse...

Felizmente, contra ventos e marés e para o bem e para o mal, Portugal não é um postal ilustrado...

Abraço.

Fernando Samuel disse...

samuel: e há tanta gente por aí a querer que seja...
Um abraço.