POEMA

DIA AZIAGO


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Vêm dias e noites de Sexta-feira 13 carregados de infortúnios
e de revoluções siderais de tempos antigos
de magias e ritos que os rios dos séculos não escoaram
para mares de compreensão e antes
levaram a lagoas com cabeleiras de limos da estagnação mental;
vieram um após outro 54 cavalos que foram como 54
brasidos de lama e fogo
de vulcões convulsos que escarraram sobre nós as vergonhas
e os opróbrios de 19 séculos passados
de 19 estradas obtusas de 19 becos de soluções que desafiaram
as agulhas magnéticas
de 19 milhões de milhões de lutas mesquinhas e pessoais;
19 caminhos de piteiras que levaram ao amanhecer cadavérico
de Sexta-feira 13.
Que o homem se fez a si próprio - fez-se muito mal.
Que o homem inventou as pirâmides - para nada serviram.
Que de Nabucodonozor uma biblioteca houve - ninguém a leu.
Que os romanos deram ao mundo a linguagem da justiça - também deram as galé.
Que os árabes trouxeram a água em odres de sangue - o corpo da terra finou-se de secura.
Que o homem desafiou os mares e o céu dos pássaros - e ninguém ganhou asas:
Ninguém, ninguém ganhou asas
em Sexta-feira 13.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

6 comentários:

samuel disse...

Só o sonho tem asas. Sobre todas as coisas...

Abraço.

Fernando Samuel disse...

samuel: por isso eles decretaram a caça ao sonho...
Um abraço.

GR disse...

Tão dolorosamente real.
Porém, os sonhos não se caçam, constroem-se!
Nada nem ninguém os pode destruir, nem que tenhamos que sonhar em silêncio!

Bjs,

GR

Graciete Rietsch disse...

Tão real, tão belo!!!! Não consigo encontrar outras palavras.

Um beijo.

Maria disse...

Pela poesia também vamos...
O sonho e o pensamento é sempre livre!
E estes poemas vêm num crescendo de intensidade, belíssimos!

Um beijo grande.

Nelson Ricardo disse...

Muito bom o poema. 19 séculos de escuridão conheceram depois as primeiras décadas de Luz. Luz essa que irá se recuperada com a luta dos trabalhadores e dos povos por todo o mundo.

Um Abraço.