Democracia, dizem eles...


Na última Assembleia Municipal de Aljustrel um senhor deputado municipal eleito nas listas do Partido Socialista, fez notar o seu descontentamento através de um voto de protesto. Dizia este, neste, que se sentia ofendido e lesado porque os executivos do Partido Comunista Português (que, na verdade, são executivos CDU) não respeitavam o direito de oposição, acusando os mesmos de serem detentores de deficit democrático (as palavras são minhas, as ideias do referido senhor). Não me cabe esclarecer alguma dúvida ao senhor deputado. Podia, ainda assim, acrescentar a titulo de esclarecimento ou justificação, a resposta que obteve de quem de direito. Contudo, não o farei por uma questão de economia do espaço em que escrevo. Sem embargo, senti que este voto de protesto era detentor de uma profunda injustiça e ousadia principalmente por vir da bancada partidária de que vinha. Num Estado de Direito Democrático os exemplos devem vir de todas as instituições que o constituem, principalmente daquelas que no jogo dos poderes se sobrepõem a todas as outras. E de cima, no caso, vem a sombra do Governo PS que, quem ouça o senhor deputado municipal, pode pensar que emana exemplos de democracia e de incentivo à participação cívica nos assuntos da República e do Estado – o que, aliás, apenas validaria a democracia e a esvaziaria de conceitos ocos e (in)verdades que hoje fazem dela redondo e falacioso vocábulo. Pois desengane-se o crédulo e o neófito: numa clara manipulação da opinião publica (que se limita cada vez mais a ser fruto da opinião amplamente publicada pelos media ao serviço dos grandes interesses) o Governo português quer confundir os portugueses baralhando e voltando a distribuir (para que se perca o verdadeiro sentido dos conceitos) palavras tão diferentes (no contexto actual) como modernidade e avanço civilizacional, acusando os que são contra as mudanças que quer levar adiante com adjectivos que vão do mais falacioso ao mais cobarde e agressivo palavreado. Como todos sabemos nem sempre se muda para melhor, e o mudar apenas por mudar, muitas vezes retrocedendo, não pode ser o argumento para validar a modernidade que, penso, deve ser validada apenas com os conceitos do humanismo.

Mas passemos a análises concretas de acções governativas (deste governo, constituído por elementos da mesma cor politica que o senhor deputado ofendido) que são uma afronta à democracia e à participação nesta pelas populações (no texto de hoje ficaremos apenas pelo novo PACOTE LABORAL, deixando outros assuntos – Lei dos Partidos, por exemplo - que são um entrave à participação democrática dos cidadãos para outro dia, quem sabe se para a semana que vem): Os avanços tecnológicos permitidos pela capacidade inventiva do Homo Sapiens Ludens apenas são avanços civilizacionais se servirem a causa democrática, caso contrário transformam-se no cavalo de tróia do humanismo. Referia o ilustre Professor Adolfo Yañes Cazal que se há 50 anos eram precisos cem homens, em cem horas para produzirem cem bolas de ténis (por exemplo), hoje, se o avanço da tecnologia fosse empregue ao serviço das populações e não apenas dos detentores dos meios de produção, os mesmos cem homens precisariam apenas de 50 horas para produzir a mesma quantidade, reservando – justamente – as horas de sobra para a sua formação, para o lazer, para a família, para a PARTICIPAÇÃO NAS COISAS PÚBLICAS. Contudo, em vez de enveredarem por este caminho humanista, os proprietários dos meios de produção, resolveram abdicar antes de metade dos seus operários, fazendo com que agora fossem precisos apenas 50 homens para produzir nas mesmas cem horas as mesmas cem bolas de ténis. Criando a ideia (utilizando as mais diversas formas, desde os tais média ou aos meios estatais fazedores de opinião – manuais escolares, por exemplo) que só não trabalha quem não quer porque trabalho há muito, os detentores de tais poderes criam a angustia nas populações, construindo um ambiente de incerteza e ansiedade que permite a mais fácil manipulação. A precariedade – que se reforça com este pacote laboral, nomeadamente através da criação dos designados «mapas de pessoal» e com a extinção dos quadros de trabalhadores – silencia as consciências e, aliada aos horários extensos – que apenas existem, dentro do quadro da situação tecnológica em que nos encontramos, por resistência dos patrões na busca do maior rendimento com a menor despesa possível (e que este pacote laboral protege e beneficia, numa clara afronta aos direitos dos trabalhadores e aos princípios consagrados na Constituição da República) – cria a ideia nos trabalhadores que calados – no sentido de que quem cala não ofende - mais facilmente conseguirão outro «contratinho» de seis meses que permita mitigar, durante esse tempo, as necessidades da sua família. Mesmo para aqueles em que a consciência impele para a intervenção pública e para a defesa dos direitos, as responsabilidades criadas pelo excesso de carga horária e pelas crescentes dificuldades financeiras, atira-os para uma letargia de cansaço dificilmente ultrapassável no panorama socio-económico que se nos apresenta o sistema capitalista. Como diria o poeta José Fanha “ hoje não temos a PIDE que nos proíba de exprimir o que pensamos, mas temos o capitalismo que nos tira o tempo para pensar.”

Senhor deputado: brevemente abordaremos outros níveis onde este governo constrói a ofensiva contra a democracia – no sentido em que esta apenas sobrevive com a participação de todos, não se tornando (como alertou Platão faz mais de 2500 anos) em oligarquia. Até lá, e depois disto, pergunto-lhe: não é isto uma afronta à liberdade de intervenção pública de todos? Ou assumimos, como alertou Aldous Huxley, que a pirâmide do poder se inverteu e agora não mais as bases elegem alguém que lhes obedeça e cumpra o que a maioria quer, mas apenas se elege alguém para que mande nas massas? Democracia ao domicilio? Futebol e ordenado mínimo. O pão e circo que nos legaram os romanos.

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

No nosso caso, no entanto, mais circo do que pão...
Abraço grande, meu amigo.