A Teimosia dos Factos e as Tarefas da Esquerda



Há cerca de um ano atrás, quando o Syriza era um recém-chegado ao poder que patinava e tremia como varas verdes perante uma burguesia alemã que não queria negociar e que o forçava a aplicar a sua política (por entre humilhações pessoais a Varoufakis e Tsipras), eu escrevia que aqui que «tal atuação é aos mais diversos títulos contra-revolucionária: ela alimenta ilusões sobre caminhos fáceis, esconde a verdadeira dimensão do problema, desarma os trabalhadores quanto às tarefas que o problema lhe coloca, pode no limite levá-los ao desalento e ao refluxo, se não mesmo à adesão aberta ao populismo e ao fascismo». Ainda há escassos meses, a propósito do impeachment de Dilma Roussef, escrevi noutro lado que «[c]omo equipa que se limita a defender o resultado arrisca perder o jogo, uma classe que apenas gere as conquistas feitas, denunciando em cada gesto o seu medo, nada fazendo para recuperar a ofensiva, convida com a sua atitude a audácia e o crescendo da virulência com que a burguesia lhe vai arrancar cada avanço que conseguiu. Em lugar nenhum esta atitude levou a vitórias: nem na Grécia do Syriza, nem na Venezuela de Chávez e Maduro, nem nas Honduras de Manuel Zelaya. No próprio Brasil, na época de João Goulart, já tinha ficado claro que as classes dominadas e a sua direcção, quando hesitam, não recebem vãs piedades da burguesia - ela aproveita sempre, e fulgurantemente, essa hesitação para empurrar o inimigo para trás». Ontem, com um ar consternado e uma surpresa absolutamente patética, a euro-esquerda poético-fofa e choramingona deparou-se com o triunfo da saída do Reino Unido da UE por via referendária, depois de uma campanha orquestrada pelos sectores mais boçais, reaccionários, chauvinistas e xenófobos do espectro político britânico. A teimosia dos factos enfiou-se-lhes pela goela abaixo, os olhos dentro, os ouvidos acima. Como devem sentir-se ridículos perante quem os alertou em devido tempo!

Espero que o recente banho de realidade objectiva, óbvia, clara, indesmentível, incontornável, factual, natural, sem rebuço nem disfarces (a mesma que lhes descrevo há mais de um ano perante a sua ridícula insistência em lançar cortinas de fumo que obscureçam o óbvio e lhes permitam continuar a adiar a tomada de decisão sobre esta matéria) lhes permita perceber, agora e de uma vez por todas, os dois factos da vida que lhes tenho tentado mostrar com uma paciência olímpica: a UE é uma prisão. Não é um jardim florido e perfumado, onde os unicórnios esvoaçam, as fadas madrinhas colhem malmequeres, e os duendes fazem coroas de florzinhas doces para nos porem no cabelo. É uma cadeia, e uma cadeia de onde só se sai ou com a revolução proletária anti-imperialista rumo ao socialismo, ou sob os auspícios de burguesias nacionais que rejeitem uma divisão internacional do trabalho onde quem manda é a burguesia alemã e pretendam constituir a sua própria zona imperial - o que vai implicar uma ruptura em torno de uma plataforma chauvinista, xenófoba, racista, fascista. Como está a acontecer no Reino Unido. Como vai acontecer em França. Como acontecerá por todo o lado, se não se seguir a primeira via.

Não, não existe via da UE doce e simpática - se já era uma estrutura de opressão e exploração em massa antes disto, doravante será muito pior. A repressão imperial que a troika significou, comparada com o que se avizinha, será uma brincadeira, para mais quando todos falam de uma nova crise prestes a eclodir. Toda a conversa sobre este assunto é tão desgraçada e ridiculamente banana, tão contrária aos factos e às evidências acumuladas, que roça o criminoso que ainda tenha cultores. A ruptura ou é revolucionária e anti-imperialista, ou é anticapitalista e à força, ou nunca se produzirá. Metam a cabeça a funcionar, olhem para a Grécia, e pelo amor de quem lá têm, pensem, raciocinem, deixem de meter a cabeça na areia.

A luta contra o capitalismo não é alegre e festiva, cheia de coisas doces e alegres, com abracinhos amiguinhos e caminhos fáceis dentro da legalidade. É uma longa, rude, difícil, exigente e dolorosa marcha, em combate permanente de classe contra classe, até ao derrube violento da exploração. Capacitem-se deste facto óbvio agora, já, de imediato. Quando o fascismo já arrancou uma vitória portentosa no Reino Unido, quando está às vésperas de a obter em França e possivelmente na Holanda, o vosso misto de torpor abananado com tremor medricas não nos vai servir de coisa nenhuma. Há barricadas para erguer e luta para travar. Luta real, não luta metafórica. Luta que implica partir dentes e ter os dentes partidos. A única luta que nos leva à liberdade, e da qual, espero!, vocês finalmente estarão dispostos a participar.

1 comentário:

cid simoes disse...

O que mais me entristece, é encontrar neste espaço que pertenceu a um camarada tão coerente, escritos tão 'desdentados'. Esta linguagem foi a de Durão Barroso, e se o senhor vilela continuar assim, terá lugar cativo, lá onde esse revolucionário se encontra.