PEDRA ANGULAR DO REGIME

João Vilela

Após o  triunfo da contra-revolução no 25 de Novembro, a burguesia portuguesa viu-se confrontada com uma tarefa espinhosa: liquidar a organização popular que lhe tinha imposto pesadas e consecutivas derrotas, sem comprometer, com isso, a sua própria organização económica.

Esta tarefa aparenta ser fácil numa primeira leitura. Não é assim. A organização dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho, em comissões de unidade primeiro, em órgãos representativos dos trabalhadores mais tarde, em comissões de gestão, em comissões de trabalhadores, em células do seu Partido de classe, organizações de massas e das massas, tinham tornado extremamente difícil ao patronato reverter o processo de conquistas sociais sem enfrentar, do mesmo passo, um poderoso movimento operário. Qualquer desafio aos trabalhadores poderia ser enfrentado por estes com o único poder que têm dentro das relações de produção capitalistas, o de parar a produção. Era um risco grande.

O desmantelamento da organização popular mostrou-se, portanto, indissociável da reestruturação da economia nacional, com inerente liquidação do tecido produtivo. Era inevitável que assim fosse. Sendo os sectores de maior organização e maior combatividade precisamente a classe operária e o proletariado rural, atacá-los teria de ser atacar os seus sectores de actividade, sobretudo se estivessem intervencionados ou nacionalizados. A burguesia teve de reorientar capitais para outros sectores de actividade, num processo que se articulava funcionalmente com a sua aposta estratégica de então: a integração europeia.

É hoje evidente que a adesão à CEE, mais tarde transformada em União Europeia, significou a integração num processo que relegava a economia portuguesa para um estatuto de segunda categoria, semi-periferia do imperialismo, semi-colónia do capital alemão. Este processo, que alguns já qualificaram de recolonização, foi em absoluto ruinoso para a economia e a independência nacional: a agricultura foi abandonada, com subsídios ao pousio, arranque de vinhas, monocultura do eucalipto; a indústria, da metalomecânica pesada ao têxtil passando pela construção naval, foi desmantelada; a frota pesqueira foi abatida, barco a barco, enquanto o acesso às águas territoriais portuguesas era progressivamente franqueado a embarcações estrangeiras com as quais não havia concorrência possível.

 Operários e camponeses, aos milhares, foram atirados para o desemprego, e o emprego que porventura obtiveram - se é que não se tornaram desempregados crónicos -, eles ou os seus filhos, foi ou nas obras públicas para facilitar a entrada dos bens do centro da Europa que o país deixara de produzir (hoje magistralmente geridas em regime de PPP), ou na construção civil dos prédios de habitação nos subúrbios das principais cidades (fruto da demissão do Estado em assegurar o direito à habitação, e causa do sobreendividamento de milhares de trabalhadores), ou no sector terciário indiferenciado e barato, das lojas de centro comercial, cadeias de "fast food", "call-centers" e hipermercados. 

Em todos estes sectores, sem uma tradição organizativa no plano sindical comparável à da grande indústria - alguns deles, como os call-centers e os restaurantes de fast-food, sectores de actividade totalmente novos no país -, o trabalho precário tornou-se a norma nos vínculos contratuais que se criaram, violando a lei. Aliás, a violação da lei pela própria burguesia que a escreve ou manda escrever tem sido moeda corrente desde o restabelecimento da coesão do Estado burguês no 25 de Novembro. Os sucessivos Governos observaram-na com a passividade mais absoluta. Os tribunais, inclusivamente o Tribunal Constitucional - cujos juízes, é de recordar, são comissários políticos nomeados pela Assembleia da República -, na esmagadora maioria dos casos, também de nada se aperceberam. Os últimos 40 anos têm sido a demonstração acabada de uma tese antiga do marxismo: a da irrelevância de garantir seja o que for na lei se não houver um aparelho de Estado dos trabalhadores (solução definitiva) ou pelo menos um movimento de massas que transforme essa lei em prática (solução que dura o que a correlação de forças durar). 

Num debate no Porto em 2012, o José Casanova dizia-nos que, no plano partidário, entre o fascismo e a democracia burguesa se tinha passado do partido único para o partido único bicéfalo. Era uma grande verdade. Quando o fascismo caiu às mãos do povo em 1974 a burguesia teve de fazer uma reformulação do seu aparelho partidário, e em vez de ter um só partido passou a ter dois, entretidos numa alternância sem alternativa, fazendo a mesma política de direita, liquidando a soberania, entregando activos estratégicos, fazendo recuar as condições de vida, comprometendo a protecção social. Esses partidos são o PSD e o PS.


Não vamos roer o pé para calçar a bota: a possibilidade de um rebate de consciência no PS que tenha feito deste partido um companheiro de trabalho na construção de um país de fraternidade, de liberdade para o povo, de emancipação da classe, tem a verosimilhança de um conto de criancinhas. Derrotado o Governo de Passos e Portas, a luta continuará sob o Governo Costa, de quem nada se espera (nem sequer, a julgar pela tradição mentirosa do PS, respeito pelos compromissos que contraiu com PCP e BE). Foi na rua que se conquistaram todos os avanços dos trabalhadores desde que há capitalismo. Na rua continuará a luta contra a pedra angular do regime.

10 comentários:

samuel disse...

Saude-se a reactivação do "Cravo de Abril"!
Que esta nova fase seja estável, longa e produtiva!

João Filipe Rodrigues disse...

Abril de novo com a força do povo!

Maria disse...

Que alegria!!!!
Se conseguissem ver o meu sorriso...

Unknown disse...

Saudação ao reactivar do Cravo. Texto muito interessante de João Vilela, no qual destaco o último parágrafo. Temos de estar alerta. A luta continua.

Catarina Casanova disse...

Acordai!

rogério silva disse...

E o cravo voltou a florir!

Unknown disse...

Bom texto do João Vilela. Partilho!

Agostinho Magalhães disse...

O único cravo que o PS conhece é o cravo da traição aos trabalhadores e ao povo que sempre enganou!

Antonio Joaquim Santos Rodrigues disse...

O Capitalismo,liberal e fascisante...está vivo...é preciso abrir os olhos aos oportunistas e corruptos ,que em todos os governos proliferam,e destroem o nosso PAÍS.sempre muita atenção não embandeirar muito alto,,(Notem.o liberalismo acabou com a defesa dos consumidores Portugueses, e estes nem deram por isso..??

Antonio Joaquim Santos Rodrigues disse...

Não vamos já para a exigência da reposição de tudo---se os quatro partidos forem unes-tos..serão quatro ANOS...SAUDAÇÕES REVOLUCIONÁRIAS..