A notícia caiu como uma bomba por estes dias: o gigante financeiro alemão Deutsche Bank corre o risco de colapsar. É um choque de frente para toda a direita neoliberal e para todas os seus sonhos e expectativas, um mundo que se arruína e naufraga, deixando um cortejo de suplicantes gemendo e chorando a sua perda. Um banco, para mais privado, para mais alemão, para mais empreendedor, para mais proactivo, e dinâmico, e acostumado a bater punho, esfarelar-se assim, sem mais nem menos. Teria maus gestores? Mas se todos sabemos que só o Estado, porque não tem a noção de estar a gerir o que é seu, é mau gestor! Teria havido incompetência dos supervisores? Mas se sabemos que só os supervisores portugueses são incompetentes! Há-de ter sido culpa dos trabalhadores alemães, esses calaceiros que vivem acima das possibilidades e depois não pagam os empréstimos que pediram. Mas acaso não nos disseram que os calaceiros éramos nós, os trabalhadores portugueses? E que por nossa culpa o Estado devia dinheiro que pediu emprestado para construir escolas, e os bancos deviam ao estrangeiro para comprarmos férias em Cancun, e que lá fora, onde os protestantes eram comedidos e regrados (sim, eu ouvi o Viriato Soromenho Marques sair-se com esta), não havia situações assim?
A realidade tem o condão de derrotar qualquer explicação ficcional que a burguesia e os seus lacaios tentem utilizar para explicar a dinâmica interna do capitalismo. E essa dinâmica, que é de queda tendencial da taxa de lucro, sobreprodução, crise, e aprofundamento da exploração dos trabalhadores para que a bola continue a girar, é a verdadeira causa das falências de bancos, sejam o BPN e o BANIF, sejam o Lehman Brothers e o Deutsche Bank, Dinâmica perfeitamente irracional, contraditória, escusada, fruto de um regime social que o desenvolvimento das forças produtivas tornou não apenas obsoleta e desnecessária, mas de facto corrosiva e destrutiva em termos sociais: a propriedade privada dos meios de produção, a exploração do homem pelo homem, o modo de produção capitalista.
A despeito de um anti-sovietismo e de um reaccionarismo absurdos ao equiparar fascismo e comunismo como regimes irmanados na definição de «totalitarismos», Hannah Arendt disse uma frase lapidar sobre o marxismo: «os marxistas não inventaram a luta de classes, porque os factos não se inventam». E a luta de classes prossegue sempre, com maior ou menor intensidade, com mais ou com menos organização, com mais ou com menos ilusões nas instituições da burguesia. E esta sabe disso: não por acaso se dedica, dedicou, e vai sempre dedicar a assalariar dirigentes do proletariado, a infiltrar as suas organizações com bufos e provocadores, a intoxicar ideologicamente os trabalhadores, a explorar as divisões mesquinhas (étnicas, religiosas, geracionais, de género, de orientação sexual, de qualificações, etc.) que os separam. Os padres que na célebre «Pirâmide do Capitalismo» são os que enganam o povo, foram hoje substituídos por televisões, jornais, rádios, e toda uma parafernália comunicacional onde o entulho reformista tem largo tempo de antena, diário e bem pago. A equiparação aos padres é particularmente feliz, se pensarmos que, como os padres, a sua função é alimentar e manter crenças idealistas, autêntico pensamento mágico, como seja a tese de que ganhar eleições mete medo a alguém ou torna os milhares e milhares de polícias, oficiais, funcionários de topo do aparelho de Estado, juízes, cobradores, etc., gente acostumada a manter o capitalismo diariamente, em diligentes construtores de um socialismo que toda a vida combateram. É tão lícito aceitar que com uma eleição o Estado burguês se torna Estado proletário como acreditar em feitiçarias de varinha mágica, milagres do Cristo Jesus ou curas por imposição de mãos. O tipo de raciocínio é o mesmo nos três casos.
Porque a verdade se mete pelos olhos dentro, o proletariado acaba, inevitavelmente, por atirar borda fora quem o pretende arrastar para o reformismo à força, e por tomar em mãos as suas tarefas históricas. Veja-se a Grécia, onde o Syriza ganhou as eleições, e todavia se sucedem as greves, os cortes de estradas, as gigantescas manifestações de massas desembocando já em conflito aberto com um aparelho de Estado que, marimbando-se para o facto de ter a esquerda (pretensamente) radical no seu comando, sabe que lhe compete defender a burguesia e reprime, em armas, a torrente da luta popular. Tal trajecto pode ser acelerado, como sabemos desde o Manifesto do Partido Comunista, se aos proletários se associarem os comunistas, sua vanguarda, desmontando as hesitações e ilusões reformistas que ainda subsistam, e guiando ao triunfo os trabalhadores. É esse o papel que, na Grécia, tem sido desempenhado pelos camaradas do PC da Grécia.
É esta a atitude e a palavra de ordem que cumpre assumir nesta hora em que, com a falência próxima de um gigante financeiro do centro imperialista europeu, a exploração se vai agravar: saiam das nossas costas, burguesia! Saiam das nossas costas, lacaios reformistas! Chega de pesarem sobre os nossos ombros como parasitas, de sugarem o nosso sangue, de nos amarrarem as mãos quando queremos desembaraçar-nos! É já tempo de irem ter com os padres e xamãs da vossa laia, tentar discutir os passes de mágica e os espiritualismos obscurantistas que vos animam a todos, e deixarem sossegado o proletariado, a quem só uma visão materialista dialéctica da realidade interessa. Levem daqui o vosso mundo de conto de fadas onde a harmonia serena entre classes é possível num prado verdejante regido pelo pacto social e pelos princípios gerais do direito. Esse mundo fantasioso é só uma cortina cor-de-rosa (em rigor, uma cortina amarela) que vocês põem em volta de uma coisa bruta e feia chamada legalidade burguesa, que existe para servir a classe exploradora, tal como vocês. Os trabalhadores serão livres e deixarão de ser explorados e oprimidos. Ainda que vocês não queiram.
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