1372,5 milhões de
euros. Por extenso: mil trezentos e setenta e dois milhões e quinhentos mil
euros. Cerca de metade do que vai ser gasto no Banif. Cerca de 4 anos de
Rendimento Social de Inserção. Cerca de um quarto dos gastos anuais com o SNS.
Eis o valor que foi pago pela PT e pela NOS pelos... direitos de transmissão
dos jogos de futebol do FC Porto, do SL Benfica, e do Sporting CP.
O absurdo destes
números torna-se uma obscenidade insuportável quando sabemos de que forma a Meo
e a NOS acumularam a espantosa fortuna que pretendem dissipar com estas
compras: na exploração desenfreada dos largos milhares de trabalhadores que, em
última análise, trabalham para ambas. Digo «em última análise» porque, entre empresas
sub-contratadas, empresas de trabalho temporário, recibos verdes fraudulentos,
e centenas de outros ardis, são inúmeras as formas por via das quais estes dois
gigantes das telecomunicações reduzem artificialmente a lista dos seus
funcionários e, de caminho, os custos que têm com eles. Das lojas às vendas
porta-a-porta, dos call-centers ao
pessoal de reparações e manutenção, o exército de trabalhadores que estes dois
gigantes tem ao serviço é inversamente proporcional aos salários de fome –
quando são sequer salários, e não sobrevivem em regimes 100% comissionais a
despeito de jornadas de trabalho de 10 e mais horas, na rua, meses e anos a
fio, em funções inapelavemente permanentes mas pagas contra recibo verde – com
que os remunera ao fim de cada mês. É por isso normal que possam dispender tão
prodigiosos números. O que é espantoso é o modo como reagem, ferozmente, a
qualquer veleidade de aumentos salariais ou melhoria das condições contratuais
no sector!
Estas empresas
utilizam com eficácia uma série de instrumentos que foram montados com eficácia
e a pensar nelas: um Estado que ignora ostensivamente as violações laborais,
por vezes as mais grosseiras, desde o Tribunal Constitucional até ao inspector
da ACT (recordo-me de, em 2011, ouvir na rádio o juslaborista Júlio Gomes dizer
numa conferência que o TC «não via uma inconstitucionalidade em matéria laboral
nem que ela fosse do tamanho de um elefante e tivesse «INCONSTITUCIONAL»
pintado a tinta fluorescente»); um exército industrial de reserva para cuja
redução nenhuma política pública decente é levada a efeito porque «o Estado não
tem de criar emprego»; a permanente afirmação de que só se reduz esse mesmo
exército industrial de reserva com a redução ainda maior dos já violentamente
atacados direitos dos trabalhadores; e, para corolário, a existência de uma
mão-de-obra ultra-especializada, saída das universidades, com nula perspectiva
de emprego na sua área de formação, e particularmente apta a apropriar e
desenvolver os procedimentos de trabalho de tais empresas, tornando-as tanto
mais lucrativas. Os enxames de licenciados que batem portas atrás de comissões
ou que vegetam atrás de balcões onde tentam vender pacotes de canais ou
telemóvis da moda aí estão para o comprovar.
Esta juventude
escorraçada de Abril pela contra-revolução, que nunca conheceu o subsídio de
férias, a baixa médica, a estabilidade contratual, que nunca chegou ao dia 15
sem contar tostões na carteira, que nunca viu salário ao fim do mês e se fartou
de ver mês no final do salário, é a carne e o sangue que permitiu à NOS e à PT
dispender mais de mil milhões de euros para poderem exibir jogos de futebol.
Este é um problema social de um tamanho imensurável, para cujo fim todo e
qualquer indivíduo onde ainda habite a decência comum mais elementar não pode
deixar de contribuir.
Esta juventude
tem dado mostras de combatividade, seja através do movimento sindical de
classe, seja em organizações que foi levantando para dar mostras da sua
indignação (e onde o autor destas linhas participou, com muita honra, desde o
primeiro momento). São de saudar todas as suas iniciativas, e de reconhecer a
enorme simpatia e mobilização popular que a sua causa atrai. Estes jovens
demonstram que, contra todas as profecias absurdas sobre o fim da história, o conformismo,
a morte da luta de classes e a redução dos trabalhadores à dócil condição de
carneiros do redil, a velha toupeira sobe sempre à superfície da terra, dura e
tenaz, inquebrantável na sua determinação, inamovível nos seus propósitos,
invencível na sua marcha em frente: a velha toupeira da luta do proletariado
pela sua emancipação que também estes jovens, com os mais velhos com quem
aprendem e melhoram, ajudam a que um dia ocorra, livrando o mundo dos
exploradores.
É fundamental
trazer mais e mais jovens expulsos de Abril pela contra-revolução para o
combate pela sua emancipação definitiva. E trazê-los dando-lhes a lição mais
válida, a que os mais velhos aprenderam com mais custo e mais sacrifícios, a
que pagaram com anos de combate e de erros que foram corrigindo. A lição
fundamental é a de que nenhum direito, nenhum progresso, nenhuma alteração por
mais miúda que seja, está garantida nesta sociedade. Vivemos na sociedade dos
patrões, com um Estado dos patrões, com um modo de produção que só serve aos
patrões.
E enquanto esta
contradição fundamental entre capital e trabalho existir, nenhum trabalhador
terá sentido ainda o sabor da liberdade, da liberdade verdadeira, que é a de
não ter quem o oprima. A lição fundamental é pois a de que não há açúcar, não
há palavras doces, não há concessões nem avanços que a burguesia consinta com
simpatia que nos devam satisfazer. Devemos aprender com os que combatem há mais
tempo que nós a levar o combate até ao fim, sem nos iludirmos com promessas de
concessões que o capital só faz para poder, em ocasião posterior, brandir
melhor o contra-golpe. Só é solução definitiva a derrota da burguesia e a
sociedade socialista.
Sem comentários:
Enviar um comentário