EUROCOMUNISMO OU O RENDER DOS IDEAIS: PARTE II



O carácter relativamente «pacífico» do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno- burgueses. Estes elementos só́ podiam submeter o movimento operário reconhecendo em palavras os objetivos revolucionários e a táctica revolucionária. Eles só́ podiam conquistar a confiança das massas através da afirmação solene de que todo o trabalho «pacífico» constitui apenas uma preparação para a revolução proletária. Esta contradição era um abcesso que alguma vez haveria de rebentar, e rebentou. Toda a questão consiste em saber se se deve tentar, como fazem Kautsky e C.a, reintroduzir de novo esse pus no organismo em nome da «unidade» (com o pus) ou se, para ajudar à completa cura do organismo do movimento operário, se deve, o mais depressa possível e o mais cuidadosamente possível, livrá-lo desse pus, apesar da temporária dor aguda causada por esse processo.
(Lenine, 1916 in O Oportunismo e a Falência da II Internacional, publicação original na Revista Vorbote, nº1.
http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/lenine_oportunismo2internacional.pdf)


A derrocada da dominação da burguesia só é possível pelo proletariado, única classe cujas condições económicas de existência a tornam capaz de preparar e realizar essa derrocada. O regime burguês, ao mesmo tempo que fraciona, dissemina os camponeses e todas as camadas da pequena burguesia, concentra, une e organiza o proletariado. Em virtude do seu papel económico na grande produção, só o proletariado é capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e de todas as massas que, embora tão exploradas, escravizadas e esmagadas quanto ele, e mesmo mais do que ele, não são aptas para lutar independentemente por sua emancipação.A doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e à revolução socialista, conduz fatalmente a reconhecer a supremacia política, a ditadura do proletariado, isto é, um poder proletário exercido sem partilha e apoiado diretamente na força das massas em armas. O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do proletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistência inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas laboriosas exploradas para um novo regime económico.
(Lenine, 1918 in O Estado e a Revolução. Obras Escolhidas de Lenine, Edição em Português da Editorial Avante, 1977, T2: pp 219-305; traduzido das O. Completas de Lenine 5a Ed. Russo, t.33: pp 1-120)
http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/t25t088.pdf


Pode parecer estranho que partidos nascidos da ruptura revolucionária com a II Internacional (como o PCF, o PCI ou o PCE), venham a repetir com semelhanças evidentes o que de pior houve nos partidos social-democratas: democratismo, conciliação de classes, cretinismo parlamentar, tudo foi repetido. O resultado de tais repetições é uma consequência natural de causas idênticas.

Morreram em luta contra o nazi-fascismo, das barricadas de Barcelona às montanhas do norte de Itália, milhares de militantes comunistas, contra o capitalismo. O capitalismo, seja em putrefacção (nazi-fascismo) ou não, é sempre capitalismo, ainda que dê migalhas ao proletariado como em regimes de fachada pseudo-democrática com parlamentos burgueses, sufrágio universal, mas onde na verdade, o capital e os seus representantes políticos estão sempre em vantagem. De resto, se por acaso os comunistas chegarem ao poder de acordo com as regras burguesas, o capital rapidamente arranja forma de quebrar as regras por ele ditadas (veja-se o Chile). Os comunistas jamais lutam pelo capitalismo, seja com que formato for. Lutam sempre tendo como perspectiva a revolução socialista. Portanto, importa lembrar que estes milhares de comunistas morreram pelo fim da sociedade da exploração e da opressão, pelo socialismo, pelo comunismo. Não foi pela democracia burguesa que Gramsci ou Arthur Dallidet morreram. Não foi para isso que milhões de comunistas deram a vida contra o nazi-fascismo.

Após a II GM surge a ideia peregrina de a democracia ser um regime neutro no que toca à natureza de classe (uma tese kaustkysta desmentida por Lenine 30 anos antes em A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky).  O aparelho de Estado democrático poderia ser utilizado, independentemente das relações de produção, quer pelo proletariado para atingir o socialismo, quer pela burguesia para aprofundar o capitalismo. Em face disto, a preparação e o desenvolvimento da luta revolucionária tornava-se desnecessária: a tarefa dos partidos comunistas passava a ser no plano sindical discutir e negociar reformas (bastante próximas do programa de transição de Trotsky1) e no plano político, como disse Stalin2, serem máquinas de propaganda eleitoral e apêndices de um grupo parlamentar.


Atenas, 18 Setembro de 2015: Comício com Pablo Iglesias (PODEMOS), Ska Keller (Verdes – Alemanha), Pierre Laurent (PCF e líder do Partido da Esquerda Europeia), Alexis Tsipras  (SYRIZA) e Gregor Gysi (DIE LINKE)

Assim se gerou um período de várias décadas de paz social dissimulada por um discurso que utilizou e utiliza todos os conceitos teóricos: “marxismo-leninismo”, partido “revolucionário”, a importância da “luta de classes” mas que no fundo, é pautado por práticas reformistas de que é exemplo claro o Manifesto a prática coincidir com o discurso. Esta degenerescência atingiu o ponto máximo quando, extravasando o plano nacional, se materializou na tese da refundação do projecto europeu por meios democráticos e pacíficos, elemento programático central do Partido da Esquerda Europeia – onde cabem, forças que vão desde o PCE, a Refundação Comunista, até ao Syriza e ao Bloco de Esquerda - caracterizado pela Resolução Política do XIX Congresso do PCP3 como estrutura de natureza “supranacional e reformista” que “não só não contribui para a unidade e cooperação das forças comunistas e progressistas da Europa, como introduz novos factores de divisão, afastamento e incompreensão, que dificultam avanços na cooperação e solidariedade entre forças comunistas e de esquerda na Europa”.

Na contemporaneidade, o eurocomunismo e o Partido da Esquerda Europeia são os responsáveis máximos pela claudicação ideológica contribuindo escandalosa e conscientemente para o atraso da consciencialização das massas encaminhando-as para becos sem saída.
É urgente encarar a luta contra o reformismo como uma tarefa central dos comunistas. Sobretudo quando as experiências governativas feitas tendo o programa destes partidos como alicerce – veja-se o Syriza – se revelaram em tudo iguais às dos partidos burgueses: alianças com o sionismo, deportação de refugiados, prisão de sindicalistas, repressão de manifestações e aplicação de memorandos da troika.
Não é possível utilizar o Estado burguês funcionando ao serviço dos trabalhadores. Os trabalhadores devem erguer o seu próprio Estado pela via revolucionária.



1Trostky, L. 1938, in O Programa de Transição.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#1

2Significa que os partidos da II Internacional não servem para a luta do proletariado, que não são partidos de luta do proletariado, que possam conduzir os operários à conquista do Poder, mas um aparelho eleitoral, adaptado às eleições parlamentares e à luta parlamentar (Stalin, 1924 in Sobre os Fundamentos do Leninismo, Jornal Pravda,. 96, 97, 103, 105, 107, 108 e 111, respectivamente em 26 e 30 de Abril e 9, 11, 14, 15 e 18 de Maio. O PCP publicou uma edição clandestina desta obra durante a ditadura de Salazar)
https://www.marxists.org/portugues/stalin/1924/leninismo/cap08.htm

3http://www.pcp.pt/resolucao-politica-do-xix-congresso



Contra a Precariedade, Nem Um Passo Atrás



A precarização dos trabalhadores do porto de Lisboa, nesta altura do campeonato, já ganhou foros de obsessão entre a burguesia. Num esforço onde vale tudo menos tirar olhos, já assistimos a mentiras descabeladas em plena TV: acusações de comprometimento da economia nacional, inventonas sobre os salários dos trabalhadores portuários, ameaças de requisição civil, uma lei do trabalho portuário dignas de regimes ditatoriais, de tudo se lançou mão. A guerra é total e sem quartel, e não é sem razão. Os estivadores puseram pés à parede para travar a principal mina de ouro a que o patronato - e o Estado, que, é preciso recordar uma vez mais, é o Estado da burguesia -, têm lançado mão para desmantelar a organização dos trabalhadores e aumentar os lucros que auferem. É perfeitamente natural todo este nervosismo.

Porque lutam os estivadores? Para que não suceda com eles o que aconteceu com os enfermeiros, com os telefonistas, com sectores importantes da administração pública, do ensino, e mesmo do pequeno e médio comércio, da indústria, etc.: a uma geração de trabalhadores com vínculo efectivo, remuneração digna, direitos consagrados em lei, estabilidade e direito a uma carreira, sucedem-se vagas sucessivas, numa infernal rotação, de trabalhadores precários. A forma contratual dessa precariedade pode assumir as mais variadas formas, mas vem sempre a dar em duas coisas: mais facilidade em despedir, e portanto menor poder negocial, e portanto menos salário, menos direitos, mais pobreza, com o permanente - e diabólico - argumento do «antes isto que nada». Sectores de actividade inteiros foram esventrados por esta estratégia do patronato. Estratégia ilegal, naturalmente. Mas quem ainda se surpreende com o cometimento de ilegalidades pela burguesia e com a providencial cegueira do seu aparelho de Estado em as verificar, melhor será que abra os olhos prontamente.

Não existe nenhuma outra forma de deter a precariedade além da luta, permanente, sem quartel, de classe contra classe. A derrota desta forma de acentuar a proletarização através da facilitação de despedimento e do roubo de direitos a quem trabalha jamais sairá de uma barra de tribunal, de um parlamento, ou de uma mesa de negociações. Porque esta é a luta crucial dentro do modo de produção capitalista: a que opõe a propriedade privada dos meios de produção e a imposição das condições mais soezes ao trabalho assalariado, àqueles que geram riqueza com esses mesmos meios de produção, e não aceitam o seu esmagamento. Esta contradição não é resolúvel dentro do quadro do actual modo de produção. Só será solucionada no dia em que os trabalhadores, compreendendo que a produção da prescinde do patronato, e até passa muito bem sem ele, decidirem desembaraçar-se dos parasitas que vêm sustentando.

Que o exemplo de determinação dos estivadores no combate à precarização do trabalho portuário seja entendido por eles, e por todos, como elemento fundamental numa luta contra a opressão e a exploração que cumpre levar cada vez mais para o combate de classes, para a disputa directa nas empresas e locais de trabalho, nas ruas, em acções cada vez mais fortes de unidade e combatividade do proletariado. Como foi escrito pelo camarada Albano Nunes em recente número do Avante!, «[é] necessário que expectativas e esperanças geradas pela grande vitória sobre o governo PSD/CDS e a convergência alcançada para viabilizar um governo da iniciativa do PS não criem sentimentos de atentismo e passividade em lugar de animar a intensificação da luta nas empresas e na rua pelas reivindicações mais sentidas dos trabalhadores e das populações». Palavras que, sendo como são corporizadas nesta luta dos estivadores, nos interpelam e no impõem particiarmos nela activamente. 


EUROCOMUNISMO OU O RENDER DOS IDEAIS: PARTE I

“A não ser para troçar do senso comum e da história, é claro que não se pode falar de «democracia pura» enquanto existirem classes diferentes, pode-se falar apenas de democracia de classe. (Digamos entre parênteses que «democracia pura» é não só uma frase de ignorante, que revela a incompreensão tanto da luta de classes como da essência do Estado, mas também uma frase triplamente vazia, pois na sociedade comunista a democracia, modificando-se e tornando-se um hábito, extinguir-se-á, mas nunca será democracia «pura».)
A «democracia pura» é uma frase mentirosa de liberal que procura enganar os operários. A história conhece a democracia burguesa, que vem substituir o feudalismo, e a democracia proletária, que vem substituir a burguesa”

(Lenine 1918, in “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky”)
Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso - Moscovo

“Assim, na revolução de 1917, quando a questão da significação do papel do Estado foi posta em toda a sua amplitude, posta praticamente, como que reclamando uma ação imediata das massas, todos os socialistas-revolucionários e todos os mencheviques, sem exceção, caíram, imediata e completamente, na teoria burguesa da "conciliação" das classes pelo "Estado". Inúmeras resoluções e artigos desses políticos estão profundamente impregnados dessa teoria burguesa e oportunista da "conciliação". Essa democracia pequeno-burguesa é incapaz de compreender que o Estado seja o órgão de dominação de uma determinada classe que não pode conciliar-se com a sua antípoda (a classe adversa). A sua noção do Estado é uma das provas mais manifestas de que os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques não são socialistas, como nós, os bolcheviques, sempre o demonstramos, mas democratas pequeno-burgueses de fraseologia aproximadamente socialista”.

(Lenine, 1917 in “O Estado e a Revolução”)
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm



É em Dezembro de 1968 na cidade de Champigny que o Partido Comunista Francês (PCF) oficializa um programa (manifesto de Champigny) que vê o socialismo como um sistema naturalmente decorrente da democracia burguesa, fruto de sucessivas e contínuas reformas.
O texto admite que existe uma espécie de contínuo entre estes dois tipos de sistema: de reforma em reforma, sempre que a correlação de forças for favorável ao trabalho, os trabalhadores e a classe operária vão avançando rumo ao socialismo.
Referem os “comunistas” franceses que para trás fica progressiva e gradualmente a ditadura do capital. Passar-se-á do sistema capitalista ao socialista com acções de massas que pura e simplesmente vão “limitar progressiva e sistematicamente as empresas monopolistas na economia nacional, a enfraquecer o capitalismo monopolista de Estado nos seus meios económicos e financeiros”, que os monopólios vão ser obrigados a “ceder as suas posições” - porque não vão contrariar a vontade popular - abrindo-se assim a “via do socialismo”. Defendem que isolando a grande burguesia, apoiando-se na colaboração política dos partidos democráticos” os trabalhadores chegarão ao sistema socialista. E os “comunistas” franceses sustentam todo este edifício “teórico” na tese de que a democracia é um valor universal fazendo tábua rasa  de todos os ensinamentos marxistas-leninistas sobre o que é a democracia.
O manifesto de Champigny conclui, assim, pela possibilidade de uma rendição da burguesia sem luta e sem recorrer à força. Não seria necessária qualquer revolução. Pacificamente, o capitalismo transformar-se-ia em socialismo pela acção de massas dos “partidos democráticos” dentro do quadro legal.
Mas afinal qual é a natureza de classe das estruturas políticas que vão assegurar o domínio da classe operária e dos trabalhadores e que antes asseguravam a defesa dos interesses do capital?
O manifesto de Champigny passa qual buldózer por cima da natureza de classe do Estado, como se a democracia não fosse sempre a forma de uma classe dominante exercer o poder sobre a classe dominada.
Por outro lado, o documento tenta tranquilizar os comunistas ao juntar a esta capitulação - sem vergonha absolutamente nenhuma - afirmações como o facto do PCF continuar a ser “marxistas-leninista”, e continuar a ser um partido “revolucionário”, de novo tipo. Isto é um exercício de dissimulação. A verdade é que este partido, ao defender que o papel da vanguarda, o papel do partido, é “sem se substituir aos órgãos do Estado, às instituições representativas e às administrações”, “traçar em cada etapa as perspetivas do desenvolvimento socialista nos diferentes sectores da vida económica social, política e cultural”, está a negar a função da vanguarda. A vanguarda aponta precisamente a via da revolução, educa e organiza os trabalhadores para a fazer. Uma força política que se limita a apontar “perspectivas de desenvolvimento” não é uma vanguarda: é, quando muito, um departamento de qualidade da democracia burguesia.

Na década seguinte assistimos ao transplante desta indigência ideológica para a grande maioria dos partidos comunistas da Europa: o PCF, em conjunto com o Partido Comunista Italiano (PCI) e o Partido Comunista Espanhol (PCE) defendem abertamente aquilo que fica conhecido por eurocomunismo. Os secretários-gerais destes partidos de então (Marchais, Santiago Carrillo e Berlinguer) abandonam as posições marxistas-leninistas, os seus partidos deixam de ser revolucionários, e defendem inclusive o abandono da perspectiva revolucionária transformadora da sociedade demitindo-se do papel de vanguarda da classe operária.


                   A celebração do eurocomunismo: Enrico Berlinguer, Santiago Carrilho e George Marchais


           Com a derrota do campo socialista dos chamados países de leste, estes partidos deixam de existir enquanto partidos comunistas e perdem a grande maioria da sua influência de massas (e eleitoral). Embora ainda ostentando a designação de “comunista” nos seus nomes, o seu discurso e a sua prática é a de traidores de classe.
Estes partidos continuaram a trilhar caminhos revisionistas: renunciaram à perspectiva marxista do Estado enquanto ditadura da burguesia, traíram a visão leninista de um partido de novo tipo, e o PCF foi ao ponto de defender a “economia social de mercado”, no âmbito da sua participação (destacada, como a dos restantes partidos eurocomunistas) na organização retintamente reformista que é o Partido da Esquerda Europeia – aliás, Pierre Laurent, secretário-geral do PCF, preside à organização.
Há muito que estes partidos não são comunistas, embora só em 2013 o PCF tenha abandonado a simbologia comum aos partidos comunistas (a foice e o martelo). No entanto, o PCE que votou cortes salariais na Andaluzia e a Refundação Comunista que fez, em 2014, a campanha eleitoral “Uma Outra Europa Com Tsipras”, estão muito longe dos tempos em que, de armas na mão, combateram as ditaduras fascistas de Mussolini e de Franco. O PCF, que no final da 2ª GM era conhecido como o “Partido dos Fuzilados” (não apenas lutando contra o nazi-fascismo mas também contra o governo colaboracionista de Vichy), transforma-se num partido da capitulação sem vergonha, ao serviço da burguesia. É essencial entender como se chegou aqui.



“Manifesto do PCF” http://aaweb.org/pelosocialismo/components/com_booklibrary/ebooks/2013-08-16%20-%20Manifesto%20Champigny.pdf