POEMA

POEMAS DO CÃO DANADO (3)


Eis-nos boiando, aflitos,
só as narinas e os braços fora de água,
prestes a sucumbir.
E a terra tam perto cheia de gente alegre...
Um gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores.
Já nem sabemos se as lágrimas
serão gotas do mar que nos envolve,
se é o mar a água das nossas próprias lágrimas.

E a terra tam perto,
cheia daquela gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores...
E nós para aqui boiando,
escorraçados afinal da própria casa,
como quem não paga a renda.
Ah que é como um país nosso invadido por estrangeiros!

E, narinas abertas numa ânsia de vida,
miseráveis, covardes,
sem a coragem de nos deixarmos sucumbir,
cair prò fundo, acabar!


Mário Dionísio

(«O Homem Sozinho Sentado na Beira do Rio»)

8 comentários:

  1. Felizmente é maior a vontade de escorraçar aquela "gente endinheirada e bruta"... e pelo menos salvar as flores.

    Abraço.

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  2. Tão actual este magnífico poema.
    Um beijo.

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  3. gente dessa, é preciso.
    vamos plantar jardins , na caspa bolorenta dos endinheirados calcadores de flores.
    abraço do vale

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  4. ... e bruta, boçal, calculista, egoísta, fascista.
    MR

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  5. Estes "poemas do cão danado". que só li hoje, são terrivelmente bonitos... e tão actuais!!!

    Um beijo grande.

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  6. Lindo este poema! Conheço mal este poeta, mas vislumbro que passarei a inseri-lo na estante dos meus afectos.Obrigada por estes poemas!
    Não sucumbiremos!
    beijo.

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  7. samuel: e bem necessário é escorraçá-la (pelo menos...)
    Um abraço.

    do val: vamos a isso.
    Um abraço.

    Geraldo Brito (Dado): obrigado pela visita e pelo comentário.
    Um abraço.

    MR: bem vistas as coisas é isso mesmo que essa gente é...
    Um abraço.

    Maria: ainda bem que gostas.
    um beijo grande.

    smvascvoncelos: creio que vais gostar muito do Mário Dionísio.
    Um beijo.

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