POEMA

MANUAL DO PERFEITO MENDIGO


Gesto pedindo clemência
cansa.
Modernizem a desgraça.
Ser pedinte com eficiência
é alugar uma criança
e arremessá-la aos olhos de quem passa.

Quem fala de caridade
usa a velha ferramenta
e compromete o seu papel.
Para comover a cidade
preguiçosa e sonolenta
só a criança de aluguel.

Só a criança. De baixo custo.
É pitoresca ou inefável,
sabe chorar, sabe sorrir,
exprime o pavor, o medo, o susto,
é facilmente transportável
e faz o drama explodir.

Pagam os homens comprometidos
para não verem na sua frente
os meninos alugados,
que falsas mães, de olhos doridos,
silenciosas, mostram à gente,
como brinquedos mutilados.


Sidónio Muralha

(«Que Saudades do Mar» - 1971)

7 comentários:

  1. Este poema é sagitífero... sempre me perturbou.
    O S. Muralha é incisivo.
    Um beijo,

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  2. Que raiva contida neste magnífico grito poético!

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  3. É terrível! Quando a miséria já é explorada pela própria miséria... folgam as costas dos verdadeiros culpados.

    Abraço.

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  4. Grande poema. Alugando as crianças atraem a caridade mas a culpa maior cabe à miséria. Por isso no meu dicionário não entra a palavra
    caridade que acomoda as pessoas.
    Um beijo camarada. Como eu tenho gostado de ler os poemas do Sidónio Muralha!!!!!

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  5. Já li este poema não sei quantas vezes e não sei o que dizer. Nãome faltam palavras, tenho-as de mais. Mas provavelmente indizíveis. Apetece-me chorar...

    Um beijo. Grande.

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  6. Sidónio Muralha faz poesia intemporal.
    Um poema triste, real e infelizmente actual.

    Bjs,

    GR

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  7. O que me dói, é que esta poesia do Sidónio, foi publicada em 1971, e mantem-se actual.
    Abraço

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