POEMA

A TERRA


É da terra sangrenta. Terra braço
terra encharcada em raiva e em suor
que o homem pouco a pouco passo a passo
tira a matéria-prima do amor.

Umas vezes o trigo loiro e cheio
outras o carvão negro e faiscante
uma vezes petróleo outras centeio
mas sempre tudo menos que o bastante.

Porque a terra não é de quem trabalha
porque o trigo não é de quem semeia
e um trabalhador apenas falha
quando faz filhos em mulher alheia.

Quando o estrume das lágrimas chegar
para adubar os vales da revolta
quando um mineiro pude respirar
com as narinas dum cavalo à solta.

Quando o minério se puder tornar
semente viva de bem-estar e pão
quando o silêncio se puder calar
e um homem livre nunca dizer não.

Quando chegar o dia em que o trabalho
for apenas dar mais ao nosso irmão
quando a fúria de força que há num malho
fizer soltar faíscas de razão.

Quando o tempo do aço for o tempo
da têmpera dos homens caldeados
por pó e chuva por excremento e vento
mas por sua vontade libertados.

Quando a seiva do homem lhe escorrer
por entre as pernas como sangue novo
e quando a cada filho que fizer
puder chamar em vez de Pedro Povo.

As entranhas da terra hão-de passar
o tempo da humana gestação
e parir como um rio a rebentar
o corpo imenso da Revolução.


José Carlos Ary dos Santos

7 comentários:

  1. José Carlos no seu melhor, assim só...

    Beijos

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  2. Lindo!
    Nós continuamos a Luta, sabendo que esse dia há-de chegar.

    GR

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  3. Nada melhor para recuperarmos das tristezas do teu texto anterior como este vigoroso "desmentido" do nosso grande Ary. E que viva a sua poesia!
    Abraço.

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  4. Devo estar particularmente sensível porque mal vejo as teclas...
    Quanto mais leio o Ary mais gosto do Homem e Poeta que ele é...
    Este poema é uma verdadeira maravilha.

    Um beijo grande

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  5. E cá está ela... a "nossa" terra!
    Realmente, isto anda tudo ligado... :-)))

    Abraço

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  6. Viva a Revolução, Viva!
    Abraço

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  7. Ana Camarra: nem mais!
    Um beijo.

    GR: ou que chegaremos a esse dia...
    Um beijo.

    Filipe: a poesia do Poeta da Revolução de Abril.
    Um abraço.

    Maria: de cada vez que o lemos gostamos mais dele, não é?
    Um beijo grande.

    samuel: e ainda bem...
    Um abraço.

    Ludo Rex: «Cheira-me» que sim...
    Um abraço.

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