POEMA

LITANIA PARA O NATAL DE 1967


Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos vir pedir contas do nosso tempo


David Mourão-Ferreira

5 comentários:

  1. Ah... se todas as noites à meia-noite em ponto, nascesse uma consciência nova e colectiva, que nos pedisse contas do que fizemos e fazemos do nosso tempo!...

    ResponderEliminar
  2. De que serve pedir contas, se a justiça não for cega?
    Tal como Há 40 anos tambem não era, mas a verdade ,é que alguem escrevia estas coisas.
    Abraço grande

    ResponderEliminar
  3. Escolheste muito bem, Fernando Samuel. Já me cruzei com este por aí...
    ... e é belíssimo!

    Um beijo grande

    ResponderEliminar
  4. Grande poema de Natal.

    Fernando Samuel,

    Uma noite de Natal muito Solidária,

    Bjs,

    GR

    ResponderEliminar
  5. Samuel: se... já não estaríamos como estamos...
    Abraço.

    poesianopopular: e escrever assim era RESISTIR.
    Um abraço.

    Maria: DMF é um dos grandes «poetas do Natal»...
    Um beijo grande.

    GR: Beijo solidário.

    ResponderEliminar