POEMA

AMOR A DOER


Beijos.
Carícias.
Este infinito sentimento
no recíproco amor homem e mulher
para jamais nos esquecermos de vez
do amor dos amores mais amados
o amor chamado pátria!

Mordaças.
Palmatoadas.
Calabouços.
Anilhas de ferro nos tornozelos.

E no infinito amor a doer
também o infantil beijo dos filhos
a magoada ternura incansável da esposa
um cobertor grande e um pequeno para os quatro
e numa tábua despregada no chão
escondido o jornal a falar do Fidel.

E nem que nos caia em cima o argumento
de cigarro na boca e lúgubre revólver em cima da mesa
não mostraremos o papel guardado na tábua do soalho
ali a fazer do amor escondido
o futuro de um povo.


José Craveirinha

5 comentários:

  1. Tremendo!

    Obrigado, tenho de comprar.
    O titulo é mais que teu.

    beijos

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  2. Que arrepio...
    Soberbo, este poema de Craveirinha.
    Obrigada

    Um beijo

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  3. LIVRO DE HORAS

    Aqui, diante de mim,
    Eu, pecador, me confesso
    De ser assim com sou.
    Me confesso o bom e o mau
    Que vão ao leme da nau
    Nesta deriva em que vou.
    Me confesso
    Possesso
    De virtudes teologais,
    Que são três,
    E dos pecados mortais,
    Que são sete,
    Quando a terra não repete
    Que são mais.

    Me confesso
    O dono das minhas horas.
    O das facadas cegas e raivosas,
    E o das ternuras lúcidas e mansas.
    E de ser de qualquer modo
    Andanças
    Do mesmo todo.

    Me confesso de ser charco
    E luar de charco, à mistura.
    De ser a corda do arco
    Que atira setas acima
    E abaixo da minha altura.

    Me confesso de ser tudo
    Que possa nascer em mim.
    De ter raízes no chão
    Desta minha condição.
    Me confesso de Abel e de Caim.

    Me confesso de ser Homem.
    De ser um anjo caído
    Do tal céu que Deus governa;
    De ser um monstro saído
    Do buraco mais fundo da caverna.

    Me confesso de ser eu.
    Eu, tal e qual como vim
    Para dizer que sou eu
    Aqui, diante de mim!

    Miguel Torga

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  4. ana camarra: este Craveirinha é assim...
    Beijos.

    maria: um beijo grande.

    maria teresa: belíssima esta «confissão».
    Obrigado.

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  5. Com que amor (e sobressalto) fomos guardando as tábuas dos nossos soalhos!

    Abraço

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