POEMA

ENQUANTO


Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar nas artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e mães,
asndarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das casas;
enquanto isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.


António Gedeão

10 comentários:

  1. Sinto-me bem aqui neste Cravo de Abril, vou agradecer na forma de um Hino de recordações amargas e que noembargam ainda hoje as palavras
    "... Vá camarada, mais um passo
    Já uma estrela se levanta
    Cada fio de vontade são dois braços
    E cada braço uma alavanca"

    Obrigada, pela companhia e pelas boas palavras
    Um abraço
    lagartinha de Alhos Vedros

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  2. Magnífica recordação. Há quantos anos não lia este poema!
    Um grande abraço camarada

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  3. Um poema fortíssimo de resistência, tão bom de ler (e meditar) neste domingo...
    Tenho que reler Gedeão...

    Um beijo grande

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  4. Já quase que não me lembrava deste!
    Mais uma vez obigado.

    O tal titulo é teu!

    beijos

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  5. lagartinha de Alhos Vedros:
    Oiço ruirem os muros
    quebrarem-se as grades de ferro da nossa prisão
    treme, carrasco, que a morte te espera
    na aurora de fogo da libertação...

    Obrigado pela visita e pelo comentário. Ainda bem que vieste. Volta sempre.
    um beijo grande.

    aristides; abraço grande, camarada.

    maria: convém ter o gedeão sempre à mão...
    Beijo grande.

    ana camarra: Um beijo grande, camarada.

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  6. "enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos... haverá guerra"
    (Bob Marley)

    Beijo, amigo
    Ausenda

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  7. Um dos poemas que mais gosto do Gedeão. Um grito: um verdadeiro grito!
    Abraço

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Eu tenho a sorte de "cometer" (de vez em quando) o tal recital a meias com o Manel Freire, só de Gedeão, onde este poema é quase sempre dito...

    Abraço

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  10. um dos mais fortes poemas de apelo, resistência e intervenção. enquanto o homem não for livre, a arte deve ser um meio para a libertação. abaixo o mistério da poesia.

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