POEMA

POEMA DA MORTE NA ESTRADA


Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.

A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo de fechar os olhos.

Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.

Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.

Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só monento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.

Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.


António Gedeão

7 comentários:

  1. Não conhecia, fantástico.

    No fim é só isso 500 mortos de olhos abertos.

    beijos

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  2. ...É a crueldade da guerra, para quê?
    abraço

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  3. E se falarmos da VIDA?

    COMO SERÁ ESTAR CONTENTE?

    Como será estar contente?
    Lançar os olhos em volta,
    moderado e complacente,
    e tratar com toda a gente
    sem tristeza nem revolta?
    Sentir-se um homem feliz,
    satisfeito com o que sente,
    com o que pensa e com o que diz?
    Como será estar contente?

    Deve haver qualquer mecânica,
    qualquer retesada mola
    que se solta e desenrola
    no próprio instante preciso,
    para que um homem de carne,
    de olhos pregados no rosto,
    possa olhar e rir com gosto
    sem estranhar o som do riso.

    Na minha tosca engrenagem,
    de ferrugenta sucata,
    há qualquer mola de lata
    que não se distende bem,
    qualquer dessorada glândula
    ou nervo que não se enfeixa,
    qualquer coisa que não deixa
    deflagrar essa girândola
    de timbres que o riso tem.

    Não ter riso e não ter casa,
    nem dinheiro nem saúde,
    não se conta por virtude
    que a miséria é ferro em brasa.

    Mas ter casa, ter dinheiro,
    ter saúde e não ter riso,
    flagelar-se o dia inteiro
    como se o sangrar primeiro
    fosse um tormento preciso,
    tê-lo sempre forte e vivo,
    espantado a todo o momento,
    isso sim, será motivo
    de grande contentamento.

    António Gedeão

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  4. Esta faz parte do recital que o Freire e eu cometemos (se nos convidarem...), inteiramente dedicado ao Antánio Gedeão/Rómulo de Carvalho, feito de cantigas, poemas ditos e histórias sobre o poeta/professor.
    Bela cantiga!

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  5. Obrigada, amigo. O sarcasmo do Gedeão fascina-me!

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  6. É tão bom estar de volta, à net fixa!, e ler o cravo de abril de fio a pavio depois de três dias sem net...
    Obrigada por mais este poema de Gedeão.

    Um beijo grande, com saudades

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  7. ana camarra: «é só isso», essa ninharia...
    Um beijo.

    poesianopopular: porque o sistema dominante se alimenta da guerra...
    Um abraço.

    maria teresa: Poema bem ao estilo do Poeta. Gedeão tem esta capacidade rara de falar da vida e da morte, sendo sempre grande.

    samuel: com tal poeta e com tais músicos/cantores... fico ansioso por assistir a um desses recitais.
    Um abraço.

    justine: Gedeão é o sarcasmo, a ternura, o humanismo... e a Poesia, claro.
    Um beijo.

    maria: nem imaginas como te compreendo: estou, também, a debater-me com o tormento da «net portátil»: é um inferno!
    Um beijo grande.

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