POEMA

FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA



Aqui, na Terra, a fome continua,
a miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
e dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
e também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
de mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
as vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
onde come, brincando, só a fome,
só a fome, astronauta, só a fome,
e são brinquedos as bombas de napalme.


José Saramago

5 comentários:

  1. Outro belo poema com música dentro.
    Saio daqui a cantar.

    Um beijo grande.

    ResponderEliminar
  2. Maria: e o próximo também é «cantável»...
    Um beijo grande.

    samuel: o essencial está na mesma...
    Um abraço.

    Graciete Rietsch: é verdade.
    Um beijo.

    ResponderEliminar