POEMA

PASSAGEM DE NÍVEL


Velho dos dias sem sol e das noites sem estrelas
que passas junto de mim apregoando,
apregoando cautelas,

- até quando?

Menina da casa estreita e sem janelas
que vives trabalhando, trabalhando...

- Quando virá o Dia, quando?

Quando vier, eu que estou à sua espera
hei-de sentir na minha poesia
um hálito de Primavera...

Mas não a Primavera dos sonetos de almanaque,
encarcerada em versos bafientos,

em que um sujeito de fraque
desfiava pensamentos...

Meus versos serão límpidos, correntes,
porque se beijam na rua os namorados
e não são indecentes nem decentes
- são simplesmente apaixonados.

Verei janelas rasgadas, fatos limpos,
mãos dadas numa franca simpatia,
- e hei-de sentir a Primavera
a desprender-se da minha poesia...

Até lá, um rio de raiva rola, ecoa
nos meus versos, rebenta no meu coração...

- E aquele que não me perdoa
que saiba que eu não peço o seu perdão!


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Eu continuo à espera da Primavera e continuo a acreditar que ela vai chegar. Belo poema. Grande Sidónio MUralha.
Beijos.

samuel disse...

E que bem ele via Abril... ainda no ano cinzento de 42!

Abraço.

Maria disse...

Fantástico! E lindo!

Um beijo grande.

Justine disse...

Luminoso esse dia! E este poema!

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: e chegará!
Um beijo.

samuel: Abril começou bem cedo...
Um abraço.

Maria: e certo...
Um beijo grande.

Justine: luminoso mundo novo que há-de vir...
Um beijo.