POEMA

À ENTRADA DA NOITE


Fogem agora, os olhos: fogem
da luz latindo.
Estão doentes, ou velhos, coitados,
defendem-se do que mais amam.
Tenho tanto que lhes agradecer:
as nuvens, as areias, as gaivotas,
a cor pueril dos pêssegos,
o peito espreitando entre o linho
da camisa, a friorenta
claridade de abril, o silêncio
branco sem costura, as pequenas
maçãs verdes de Cézanne, o mar.
Olhos onde a luz tinha morada,
agora inseguros, tropeçando
no próprio ar.


Eugénio de Andrade
(«Os Lugares do Lume» - 1998)

4 comentários:

  1. As grandes visões de um Poeta, mesmo quando os olhos se quedam "inseguros, tropeçando no próprio ar".
    beijo,

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  2. Os olhos, o olhar do poeta. E o mar, tanto, sempre... tão belo!

    Um beijo grande

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  3. Tropeçando... mas como quem dança... sem uma falha.

    Abraço.

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  4. smvasconcelos: há olhos e olhos...
    Um beijo.

    Maria: lá está: as palavras todas dele...
    Um beijo grande.

    samuel: ou como quem toca uma melodia insuperável...
    Um abraço.

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