POEMA

PEQUENA ELEGIA DE SETEMBRO


Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos poisados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade
(«Coração do Dia» - 1956-1958)

5 comentários:

  1. A nostalgia leva-nos a viajar no tempo, existem momentos em que -o imaginário se confunde com o real."o sonho comanda a vida"
    Abraço

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  2. Esta poesia é do mais comovente enternecedor que há...
    beijos,

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  3. Tão doce, e tão belo!

    Um beijo grande

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  4. "Ou é dentro de ti
    que tudo canta ainda?"
    ...
    "Com que palavras
    ou beijos ou lágrimas
    se acordam os mortos sem os ferir"

    Dói de tão bom!

    Abraço.

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