POEMA

TEMPO DE RUSGAS


I

Era tempo de rusgas.
Havia ordens terminantes
mas era preciso não andar desarmado.

A revista nas estradas era intensa.

Bem armado
passei sem licença de porte de arma
minha mão comprimindo no bolso
as coronhas de três poemas.

II

Os que não são poetas
ignoram o que é estarmos em reclusão
armados de conluios até aos dentes.

E na sua imprevidência
não sabem que um poema detido
mesmo de cor na cabeça
também é uma forma
dialéctica
de lhes armar o cerco.

III

Sou daquela raça
dos revolucionários mais perfeitos.
A raça dos homens ao natural
que amam o amor sem as mil
fictícias boas maneiras
burguesas.

Raça
dos revolucionários mais puros
no amor à beleza feminina
na adoração pelas crianças
no respeito pela velhice
no ódio à mendicidade.

Raça de revolucionários cheios de defeitos
e apenas uma pequeníssima qualidade:
Mesmo inseridos em molduras de alvenaria
com uma força de segurança no exterior
não compramos o Amor
e não nos vendemos!


José Craveirinha
(In Cela 1)

12 comentários:

  1. Sem nos vendermos... Abraço

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  2. Não compramos o Amor e não nos vendemos!

    Está tudo dito.


    beijos

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  3. Os dois últimos versos não deixam "margem de manobra" para grandes comentários... :-)))

    Abraço (armado de conluios até aos dentes)

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  4. Os verdadeiros revolucionários nunca se vendem!
    um Abraço

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  5. Lembrando outra

    " Que força é essa
    Que força é essa
    Que trazes nos braços
    Que só te serve para obedecer
    Que só te manda obedecer
    Que força é essa,amigo
    Que força é essa, amigo
    Que te põe de bem com outros
    E de mal contigo
    Que força é essa, amigo
    ........................"

    Um abraço da Lagartinha de Alhos Vedros

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  6. Que raça!!!!!!!!
    Este poema tiranos as palavras
    fica um nó... na garganta!

    Um beijo
    ausenda

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  7. desculpa!! lapso de escrita
    onde se lê "tiranos" deve ler-se "tira-nos"

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  8. Que falta me fez esta dose diária de poesia!
    Estou com sintomas de privação...:))
    Obrigada!

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  9. Não tenho palavras para este poema...
    Arrepiada fico, lendo-o outra vez.
    Obrigada

    Um beijo

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  10. Depois de um fim de semana sem telefone, e sem net. eis que chego ao teu canto e...Deparo com esta triologia do José Craveirinha, e pensei:-eu nunca estive preso, mas os Revolucionários que estiverem, devem sentir-se bem retratados!
    Que peso têm as palavras do José Craveirinha!
    Obrigado abraço grande

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  11. O POEMA

    Um poema cresce inseguramente
    na confusão da carne.
    Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
    talvez como sangue
    ou sombra de sangue pelos canais do ser.

    Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
    ou os bagos de uva de onde nascem
    as raízes minúsculas do sol.
    Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
    do nosso amor,
    rios, a grande paz exterior das coisas,
    folhas dormindo o silêncio
    -a hora teatral da posse.

    E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

    Herberto Helder ( Funchal, 1930)

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  12. ludo rex: questão essencial.
    Um abraço.

    ana camarra: inequívocamente!
    Um beijo amigo.

    samuel: pois não!
    Um abraço igual...

    hilário: por isso são revolucionários...
    Um abraço.

    Lagartinha: o inimitável Sérgio Godinho...
    Um beijo amigo.

    ausenda: o tal nó na garganta...
    Um beijo amigo.

    justine: nesse caso o Craveirinha chegou em boa altura (e a gripe, já partiu de todo?)
    Um beijo amigo.

    maria: arrepiado me confesso...
    Um beijo grande.

    poesianopopular: muito bem retratados.
    Abraço grande.

    maria teresa: Lindo! Obrigado.
    Um beijo amigo.


    Para todos(as): nos próximos dias vou continuar com poemas da prisão da José Craveirinha.
    Abraços e beijos.

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