POEMA

DE CADA VEZ QUE UM GOVERNO...


De cada vez que um governo necessita de segredos,
por segurança do Estado, ou para melhor êxito
de negociações internacionais,
é o mesmo que negar,
como negaram sempre desde que o mundo é mundo,
a liberdade.

Sempre que um povo aceita que o seu governo,
ainda que eleito com quantas tricas já se sabe,
invoque a lei e a ordem para calar alguém,
como fizeram desde que o mundo é mundo,
nega-se
a liberdade.

Porque, se há algum segredo na vida pública,
que todos não podem saber, é porque alguém,
sem saber, é o preço do negócio feito.
E se há uma ordem e uma lei que não inclua
mesmo que seja o último dos asnos ou dos pulhas
e o seu direito a ser como nasceu ou fizeram,
a liberdade
é uma farsa,
a segurança
é uma farsa,
a ordem
é uma farsa,
não há nada que não seja uma farsa,
a mesma farsa representada sempre
desde que o mundo é mundo,
por aqueles que se arrogam ser
empresários dos outros
e nem pagam
decentemente senão aos maus actores.


Jorge de Sena

7 comentários:

  1. Uma farsa, diz bem... Uma farsa.
    Abraço

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  2. Dizer o quê? Jorge de Sena diz tudo clarinho!

    beijos

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  3. Sábias e actuais estas palavras.
    Este desgoverno é, ele próprio, uma farsa...

    Um beijo grande

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  4. ludo rex: a grande e eterna farsa.
    Um abraço.

    ana camarra: e é bem verdade.
    Um beijo.

    maria: nem podia haver melhor exemplo, de facto.
    Um beijo grande.

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  5. SE

    Se és capaz de manter o sangue-frio
    enquanto outros à tua volta o estão perdendo
    e deitando-se as culpas
    Se és capaz de fiar-te em ti próprio
    quando todos duvidam de ti
    - e no entanto perdoares que duvidem;
    Se és capaz de esperar sem cansar a esperança,
    e de não caluniar os que te caluniam,
    e de não pagar ódio por ódio
    -tudo isto sem dar-te ares de modelo dos bons;
    Se és capaz de sonhar
    sem que o sonho te domine,
    e de pensar, sem reduzir o pensamento a vício;
    Se és capaz de afrontar o Triunfo e o Desastre
    sem fazer distinção entre estes dois impostores;
    Se és capaz de sofrer que o ideal que sonhaste
    o transformem canalhas em ratoeiras de tolos;
    ou de ver destruído o ideal da vida inteira
    e construí-lo outra vez com ferramentas gastas;
    Se és capaz de fazer do que tens um montinho
    e de tudo arriscar numa carta ou num dado,
    e perder, e começar de novo o teu caminho,
    sem que te oiça um suspiro quem seguir a teu lado;
    Se és capaz de apelar para músculo e nervo
    e fazê-los servir, se já quase não servem,
    aguentando-te assim quando nada em ti resta,
    a não ser a Vontade, que te diz: aguenta!
    Se és capaz de aproximar-te do povo e ficar digno,
    ou de passear com reis conservando-te humilde;
    Se não pode abalar-te o amigo ou o inimigo;
    se todos contam contigo e não erram as contas;
    se és capaz de preencher o minuto que foge
    com sessenta segundos de tarefa acertada;
    Se assim fores, meu filho, a Terra será tua,
    será teu tudo o que nela existe,
    e não receies que to tomem...
    Mas (ainda melhor que tudo isto)
    se assim fores, serás um Homem!

    Rudyard Kipling (1865-1936)

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  6. maria teresa: nem serão necessários tantos «ses» para se ser um Homem, não é verdade?

    Um abraço amigo.

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  7. Pragmaticamente é verdade.
    Mas poeticamente tem maior impacto se "os" sentirmos como o poeta e atendermos à época em que foi escrito.

    Em terrenos poéticos, uma flor para si!

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