POEMA

A ARQUITRAVE
(andaimes para as ideias...)


Vivemos entre pessoas solenes. Há quem fale
da arquitrave e dos seus problemas
tal como se ela fosse a sua prima
- próxima, está claro.

Pois bem! Segundo parece a arquitrave
corre enorme perigo. Não se sabe
com precisão porque assim é, mas dizem.
Há quem o diga já desde há vinte anos.

Há quem fale também do inimigo:
inapreensíveis seres
estão em toda a parte, insinuam-se
tal como a poeira nas habitações.

E por fim há quem levante andaimes
para que ela não caia: gente séria.
(É curioso, em inglês, scaffold significa
ao mesmo tempo andaime e cadafalso.)

Alguém sai para a rua,
beija a namorada, ou compra um livro,
e passeia, feliz.
Logo o fulminam:
«Como se atreve?»

A arquitrave!...


Jaime Gil de Biedma

4 comentários:

  1. A trave-mestra de tudo devia de facto ser a felicidade (com tudo o que significa)... mas mesmo alguns que acham pensar isso, tentam comprá-la, o que é um erro... e com a "moeda" errada, o que é patético. Digo eu...

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  2. Pronto, outro bonito!

    Mas quanto á trave, o egoismo, o individualismo atinge proporções exageradas.

    Metade da nossa população pensa que o sol nasce no seu umbigo e se põe no outro extremo...

    beijos

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  3. Bem, parece-me que tenho de ir à procura de um livro do Jaime Gil Biedma...

    Obrigada.

    Um beijo grande

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  4. samuel: a moeda errada é o pior de tudo...
    Um abraço.

    ana camarra: metade?... só? (já li o teu post sobre isso...)
    Um beijo.

    maria: há coisa dele editadas por cá, e com boas traduções.
    Um beijo grande.

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