POEMA

CARIDADE


As senhoras da sociedade
deram um baile a rigor
para vestir a pobreza
e a pobreza horas a fio
cortou, coseu, enfeitou
os vestidos deslumbrantes
que a caridade exibiu.

Depois das contas bem feitas
bem tiradas as despesas,
arranjou um namorado
a mais nova das Fonsecas;
esteve bem a viscondessa,
veio o nome e o retrato
da comissão nos jornais,
e o Doutor, o Menezes,
e o senhor desembargador,
estiveram muito engraçados,
dançaram o tiro-liro
já meio tombados...

Parece que ainda sobrou
algum dinheiro para a chita
para vestir a pobreza
numa festa comovente
com discursos de homenagem
e uma missa...
a que assistiu toda a gente.

Joaquim Namorado

9 comentários:

  1. Onde é que eu já ouvi isto!
    Com novas Narquesas, novos condes e condêssas, está quase tudo como antes.
    ...Se nós deixar-mos fica igual, ao antigamente!

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  2. Em jeito de adenda:
    Conta-se que Joaquim Namorado publicou, na Revista da Cultura e Arte Vértice, de que era director, pensamentos de Karl MarK, sob o pseudónimo de Carlos Marques. Agentes da Pide "visitaram-no" e tentando intimidá-lo disseram-lhe qualquer coisa com: "Avise o Carlos Marques que tenha muito cuidadinho, nós já o temos debaixo de olho".
    Muito deve ter rido o poeta! Eu ainda hoje me divirto com esta situação caricata.

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  3. A inefável caridade! As sacristias estão coalhadas destas novas ONGs de defesa dos novíssimos "direitos humanos".

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  4. E lá nos vão dando, a arrotar, algumas migalhas daquilo que nos roubam. Com jantaradas o movimento arrotário vai fazendo a sua filantropia.

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  5. Porque será que me veio à ideia aquela cantiga do Barata Moura

    "Vamos brincar à caridadezinha
    Festa, canasta e boa comidinha"

    ???

    Um beijo

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  6. Já agora fica aqui toda...


    Vamos brincar à caridadezinha
    Festa, canasta e boa comidinha
    Vamos brincar à caridadezinha
    .
    A senhora de não sei quem
    Que é de todos e de mais alguém
    Passa a tarde descansada
    Mastigando a torrada
    Com muita pena do pobre,
    Coitada
    .
    Vamos brincar à caridadezinha
    Festa, canasta e boa comidinha
    Vamos brincar à caridadezinha
    .
    Neste mundo de instituição
    Cataloga-se até o coração
    Paga botas e merenda
    Rouba muito mas dá prenda
    E ao peito terá
    Uma comenda
    .
    Vamos brincar à caridadezinha
    Festa, canasta e boa comidinha
    Vamos brincar à caridadezinha
    .
    O pobre no seu penar
    Habitua-se a rastejar
    E no campo ou na cidade
    Faz da sua infelicidade
    Algo para os desportistas
    Da caridade
    .
    Não vamos brincar à caridadezinha
    Festa, canasta e a falsa intençãozinha
    Não vamos brincar à caridadezinha.

    Que saudades...

    Outro beijo

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  7. E já agora deixo o testemunho do meu regozijo por, até na altaneira aldeia de Monsanto - distrito de Castelo Branco -, encontrar propaganda do nosso glorioso Partido

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  8. josé manangão: mas não deixaremos.
    Um abraço.

    maria teresa: pertinente adenda.
    Obrigado.
    Um beijo amigo.

    samuel: nos anos 30, a expressão «vamos fazer caridade» ouvia-se em todas as casas das «grandes famílias» - «todo o que milhões furtou, sempre ao bem-fazer foi dado»...
    Um abraço.

    antuã: movimento arrotário: boa!
    Um abraço.

    maria: que saudades!, dizes bem...
    Obrigado por nos recordares o Barata Moura.
    Um beijo.

    chalana: regozijo a que me associo, com um abraço.

    anónimo: lá irei. Obrigado.

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