POEMA

TEMPO DE RUSGAS

I

Era tempo de rusgas.
Havia ordens terminantes
mas era preciso não andar desarmado.

A revista nas estradas era intensa.

Bem armado
passei sem licença de porte de arma
minha mão comprimindo no bolso
as coronhas de 3 poemas.

II

Os que não são poetas
ignoram o que é estarmos em reclusão
armados de conluios até aos dentes.

E na sua imprevidência
não sabem que um poema detido
mesmo de cor na cabeça
também é uma forma
dialéctica
de lhes armar o cerco.

III

Sou daquela raça
dos revolucionários mais perfeitos.
A raça dos homens ao natural
que amam o amor sem as mil
fictícias boas maneiras
burguesas.

Raça
dos revolucionários mais puros
no amor à beleza feminina
na adoração pelas crianças
no respeito pela velhice
no ódio à mendicidade.

Raça de revolucionários cheios de defeitos
e apenas uma pequeníssima qualidade:
Mesmo inseridos em molduras de alvenaria
com uma força de segurança no exterior
não compramos o Amor
e não nos vendemos!


José Craveirinha
(In Cela 1)

4 comentários:

  1. Ò fernando
    È cada um melhor que o outro!
    A riquesa da experiência deste camarada poeta é impressionante!
    Abraço
    José Manangão

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  2. Por cá também tivemos alguns, igualmente "cheios de defeitos"...
    Vendo o que vejo hoje à nossa volta, desconfio que um dos defeitos foi a brandura, quando chegou a hora...

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  3. Excelente selecção a tua FS, e que fortíssima impressão nos deixa. Ficámos a conhecer bem melhor este grande poeta.
    Espero ansiosa o próximo/a "contemplado/a"...

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  4. josé manangão: e ali a essa riqueza de experiência uma notável sensibilidade poética.
    Abraço.

    samuel: essa será a nossa eterna «desconfiança»...
    Abraço.

    justine: fico feliz por teres gostado da selecção - mais tarde, conto voltar ao Craveirinha, pegando num outro livro: «Karingana Ua Karingana» (expressão que corresponde ao nosso «Era uma Vez», fórmula clássica de iniciar um conto)
    A seguir vou homenagear - com um poema - um grande poeta, muito esquecido enquanto tal: Pasolini.
    Um beijo amigo.

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